Prezados,compartilho com vocês um pequeno texto de minha autoria
falando da importância oculta do olfato. Acredito que resgate a
aromaterapia na raiz, em sua essência mais pura, onde a ciência ainda
não alcança.
Espero que gostem.
O mundo sutil dos sentidos humanos
Por Arnaldo V. Carvalho*
O objetivo dessa série de textos é colocar na balança as partes de
nosso aparelho sensitivo, e observarmos como suas relações são
fundamentais e precisam estar em equilíbrio. Entraremos
filosoficamente num mundo de pelo menos 6 sentidos, e se for possível
que consigamos recuperar seu equilíbrio, termos certamente pessoas
mais felizes e um mundo melhor. Amém!
INTRODUÇÃO: Equilíbrio entre os sentidos
Visão e audição. Esses dois sentidos são tão importantes para definir
o concreto para o ser humano, que praticamente tudo o que foi
inventado para avaliar e comunicar está sempre ligado a uma ou mais
dessas percepções. Primeiro vieram as fotografias, e quase que ao
mesmo tempo o rádio. E logo depois o cinema, o telefone, a TV, fax.
Aliás, antes disso ainda, a escrita! Agora temos a Internet, e a
“realidade virtual” das mais modernas é feita de óculos e fones, onde
tudo o que fazemos é ver e ouvir. Somos holofotes e auto-falantes
ambulantes.
Para examinar o corpo, substituímos gradualmente a percepção olfativa
dos fluídos e cheiros humanos por exames visuais. Foram-se as
apalpações, os antigos diagnósticos pelo cheiro, a percepção infalível
e “quase” extra-sensorial do “médico de antigamente’, que só de olhar
ou tocar já sabia o que a pessoa tinha. Foi-se, ainda, o apurado
paladar que conhecia o efeito de plantas medicinais diversas só pelo
sabor, ao mais leve toque do material na língua hábil dos antigos
terapeutas (sobretudo do oriente)”. Tudo isso deu lugar a eletros,
tomografias, testes bioquímicos de sangue – traduzidos, devidamente,
para a linguagem visual.
E assim, pelo olho e pelos ouvidos, vamos conhecendo o mundo, e
esquecendo de um outro mundo. Um mundo sutil, que guarda uma
informação antiga, tão antiga que vem de um tempo em que não falávamos
e pouco víamos… É fato que os outros sentidos estão ligados a áreas
mais animais de nosso cérebro, de nosso ser (então não é isso que
somos? Animais?). Áreas mais “imediatas”, que se fazem perceber e
traduzem em uma resposta instantânea de nosso corpo ao estímulo
sensitivo.
Desde que nos afastamos desses sentidos, pelo menos até aqui, ainda
não observamos a humanidade progredir em termos de uma felicidade
coletiva. A modernidade audiovisual não se tornou sinônimo de
qualidade de vida, no máximo uma ilusão de qualidade de vida. Os
hindus tradicionais explicariam o feito recorrendo à Maya, a deusa dos
sonhos e das irrealidades. Maya, faceta da virgem e ingênua da própria
Kali, a descobrir a realidade do Universo, a retirar os véus da
consciência humana na Terra. A ilusão de Maya é a alegoria de um mundo
de mais sentidos do que os temos. Um mundo de mais sentido, pense
nisso! E assim, no contrapasso do tempo, vamos nos cercando cada vez
mais na idéia do audiovisual, afastando os demais sentidos da
consciência. E o que representa a perda dos demais sentidos? O que
perdemos com isso? Alguns dos mais novos pouco a pouco vão perdendo as
noções do que é isso. Como o mito da caverna de Platão nos ensina,
aquele que cresce na escuridão nem sabe que a luz existe, não se dá
conta, não dá por falta. A noção da falta certamente se dá na perda.
Aquele que nasce cego nada tem a perder, e talvez só aquele que perdeu
um sentido já em vida saberá dimensionar o que estamos refletindo
nesse texto. Aqui incluímos mais um sentido: Aquele que nos faz
perceber que há um passado.
Será mesmo por isso que quem perde a memória comumente também
apresenta um quadro depressivo? Será que alguma parte daquele ser, que
as vezes, num Alzheimer da vida, já mal lembra do próprio nome…
percebe a perda que é não alcançar mais a percepção do que passou?
Nossos sensores, uma vez isolados, nos tornam mais frágeis e
indefesos. É na totalidade integrada destes, que podemos ampliar de
fato a própria consciência. Para tirar um único véu, a exploração da
além-caverna inicia sempre por (pelo menos) seis sentidos humanos.
Audição, visão, tato, olfato e paladar devem trabalhar juntos, em
harmonia ainda com o sexto sentido, aquele que é inominável por si só,
mas que simplificamos como “intuição”. Além destes, dois sentidos mais
próprios do ser humano: Aquele que nos faz perceber o passado e aquele
que nos faz perceber o futuro.
A visão e a audição, como recursos mais mentais, dimensionam o
Universo como matéria mais concreta, palpável e percebida com
facilidade. O olfato e o tato lidam com aquilo que transpassa a visão
– Mostra-nos tudo o que está escondido aos olhos e ouvidos, e liga-se
com recursos humanos ligados à própria terra. O paladar comunica todos
esses elementos e aguça o sexto sentido, que transforma o indivíduo em
parte do inconsciente coletivo, e assim sendo, o acessa. Finalmente,
os sentidos que nos despertam para a existência de um passado e um
futuro nos permite alcançar a consciência de nós próprios como meros
desdobramentos presentes de tudo o que já foi, e desdobramentos
passados do futuro. O Princípio da Impermanência, dirão os budistas.
Os sentidos I – O olfato, a espontaneidade e a autenticidade
Pouca gente sabe que o olfato é fundamental para uma vida humana
plena. Poucos sabem que a perda do olfato cria quase sempre um estado
depressivo na pessoa acometida. Poucos sabem que as memórias
emocionais podem ser acessadas – mesmo as mais antigas – de maneira
direta através de um cheiro… Poucos sabem que a mãe precisa entrar
em contato olfativo com seu bebê para desencadear uma série de
processos de reconhecimento maternais – que se traduzem em funções
fisiológicas e natureza emocional. É esse acesso, ao primitivo, sutil,
que nos traz um contato com uma realidade visceral humana.
Essa primeira classe de informações nos conduz a um questionamento:
Estamos nos afastando do mundo olfativo porque o audiovisual está
ganhando importância ou o mundo audiovisual, mais cerebral e
cartesiano, está ganhando mais importância porque algo em nós QUER se
afastar do sentido olfativo – e aquilo ao qual ele se liga? Se a
segunda hipótese for verdadeira, o que nos faz temer o contato com a
dimensão do olfato? Que tipo de impressões negativas registramos de
maneira contundente, a ponto de nos isolarmos do instrumento de
medição sensorial que, acima dos demais, permitiu a sobrevivência do
homem durante milhares de anos nos tempos primitivos?
As moléculas olfativas são sempre diferentes, e ao nariz espontâneo,
limpo, jamais idêntico. Há no cheiro um sistema de codificação, uma
espécie de criptografia fina, um verdadeiro – e preciso – sistema de
autenticação humano. O cheiro permite a espontaneidade, e a
autenticidade. Essa autenticidade é o que nos faz preferir aquilo que
foi feito em casa, o sabor da comida da vovó, o bilhetinho de amor
escrito à mão, em detrimento aos modernismos presentes industriais –
lindos, limpos, e sem qualquer emoção autentica – sem algo “concreto”
que nos ligue diretamente à pessoa que nos presenteou. Ah sim,
precisamos dessa ligação! E queremos que ela seja autentica!
É este sentido, nosso refinado sensor de autenticidade, aquele que
provoca verdadeira rejeição ante à cheiros falsos. Tais rejeições vão
simples não gostar até as mais variadas reações alérgicas. Mesmo que a
mente consciente não reconheça bem um cheiro falso (aromatizantes
muitas vezes são máscaras muito bem feitas ao consciente), o corpo já
mostra logo sua incompatibilidade com a química das “coisas que não são”.
As mesmas moléculas olfativas, diferente dos estímulos visuais ou
auditivos – que necessitam de uma série de critérios corticais de
interpretação – agem diretamente na química neuronal límbica. Elas
pedem ação imediata, e assim nos tornam mais imediatos, mais espontâneos.
Mas… O mundo humano das cavernas de repente descobriu novas
necessidades, necessidades estas que entram em conflito com a política
da espontaneidade. O parceiro sexual tornou-se um bem privado; o
alimento, agora cultivado, era seco e hipercarboidratado (cereais), e
foi unido à água no fogo para poder ser comido. Comida deteriorada foi
disfarçada com especiarias e fogo… E assim, a multiplicação da
fermentação intestinal a partir da massificação do uso de carboidratos
cozidos e produtos não frescos tornou nosso próprio cheiro e de nossos
fluídos cada vez mais repulsivos. Algo naquele antigo homo sapiens (se
é que não começou antes) precisava dar conta de viver com essa nova
situação. Os cheiros revelam doenças, ativam atrações e repulsões. O
cheiro revela o que comemos, como está nosso estresse. Revela ainda as
substâncias que curam. E ainda tornam mães com sentido maternal
extremamente ativo. Tudo o que é perigoso a uma sociedade que passou a
viver da exploração de uns sobre os outros, exploração essa sustentada
pela ignorância, cuja manutenção seria constante até os dias de hoje.
Um filho, antes de pertencer à mãe, agora deveria ser da sociedade, e
assim esta teria o direito de sacrifica-la aos Deuses, leva-la para a
guerra alguns anos mais tarde, etc. O olfato torna todo indivíduo
consciente demais de si. O mundo dos cheiros precisava ser bloqueado,
tal qual a espontaneidade deveria ser.
A espontaneidade está ligada ao imediato. E o ser humano tem como uma
de suas características exclusivas o fato de utilizar exatamente o
mediatismo como forma de desenvolver a sociedade. O mediatismo, a
consciência de um futuro e a percepção de que este pode ser manejado
não é ruim: Só o ser humano deixa heranças em vida, compra seguros
para um futuro que já não lhe pertence; Só o ser humano consegue
pensar em estudar por 25 anos para então estar pronto e passar a
exercer um papel social. Só o ser humano cria surpresas ao seu próprio
(infelizmente nem sempre agradáveis) futuro, especula, e “futuriza”,
futuriza, futuriza… Não há dúvida, a antecipação da realidade é um
dos aspectos fundamentais na própria noção do que é ser humano.
Mas esta noção contraria a espontaneidade. A espontaneidade é a
adolescente inocente, que apaixonada recebe o beijo e gostando quer
beijar por toda uma noite. A mesma espontaneidade é o rapazinho que
diz “não” a um pedido de um adulto (e provavelmente será reprovado em
sua atitude). A espontaneidade nos faz perguntar os porquês ao mundo,
e nos faz só pensar em andar, jamais em temer a queda. Assim, surge um
impasse, um conflito humano que está em todos nós, e nos divide o
tempo todo sem que percebamos. Queremos a espontaneidade, mas queremos
a segurança das antecipações, do mediatismo. Somos mais felizes no
presente imediato, mas é no planejamento que podemos orquestrar
momentos de felicidade espontânea. O impasse está novamente refletido
no bebê aprendendo a andar: Temeremos a queda ou valorizaremos a
possibilidade de caminhar?
Acredite, houve um tempo em que nos aproximamos do equilíbrio: A
espontaneidade convivia bem com as previsões futuras. E foi exatamente
desse casamento harmonioso que surgiu certa pedra filosofal, que
dissecamos e chamamos de ética e consciência – como se pudesse haver
uma coisa sem a outra. Sim, a consciência é fruto da espontaneidade
com a compreensão do que acontece SE, das possibilidades de afetar a
realidade ao nosso redor, o que inclui os nossos semelhantes, e mesmo
toda a realidade.
O mundo de hoje, porém não quer a espontaneidade. Não quer que você
seja você mesmo. Mas ele quer que você pense que é espontâneo, que é
você mesmo quem faz as escolhas. O mundo de hoje quer que você
obedeça. E as ordens que o mundo te dá não são muito criativas, nem
possuem equilíbrio ou bom senso. O mundo de hoje quer que você aceite
ser bombardeado de informações negativas mas seja uma pessoa positiva;
quer que você cresça e aprenda sobre sexo consumindo pornografia, mas
quer que você possua uma sexualidade saudável; Quer que você seja
generoso, mas não quer que você se sensibilize com as pessoas com fome
nas ruas. O mundo de hoje tem um governo que quer que você pague seus
impostos, mas não oferece condições justas de vida. O mundo de hoje
está cheio de lojas com caixas que perguntam durante o dia todo se
podem dever um centavinho do troco, mas que não aceitam nos dar o
mesmo desconto. O mundo de hoje quer que você durma bem, mas não apaga
as luzes dos postes nunca, não impede o barulho dos carros. O mundo de
hoje diz que você tem 2 dias de férias toda semana, mas te toma várias
horas com engarrafamentos e torna o campo e o lazer cada vez mais
caros e distantes para todos. O mundo de hoje quer que você coma
coisas saudáveis, mas faz as tais coisas saudáveis serem 5x mais caras
que o que se pode comprar. O mundo de hoje quer que você se cuide, mas
só lhe deixa de tempo uma migalha para dormir e comer (ir ao banheiro
não faz parte dessa conta). O mundo de hoje quer que você ame seu
filho, mas o tira de contato contigo desde o parto até sempre (escolas
cada vez mais cedo, trabalho para a mãe, estudo para o filho em doses
cada vez mais “cavalares”). O mundo de hoje não aceita que você tenha
raiva de nada, e se houver uma explosão por aí na forma de relações
partidas violentamente ou, pior, em uma metralhadora causando estrago
num cinema ou escola, ah, isso é um mero acaso, nada tem a ver com
esse mundo que te formata para só querer ver e ouvir, e acreditar em
quilos de monografias científicas regadas a viagens, souvenirs e toda
a sorte de brindes que nossos médicos ilustres recebem da indústria
farmacêutica. Imagine você, ser espontâneo nesse mundo!
Imagine você dizendo o que acha sem medo de repressões, e sem ter que
acumular raiva o bastante para que venham comentários já azedos?
Imagine você querendo tirar a roupa em casa num dia quente (a moça do
big brother pode se exibir seus seios para milhões, você não pode ir a
uma praia reservada e pegar sol de corpo inteiro, sob pena de ser
taxada de um cem número de nomes e títulos, isso se não for presa por
atentado ao pudor). Imagine se todos vão te incentivar ante a decisão
de largar uma profissão mais tradicional como médico, engenheiro,
advogado, para se tornar um artista ou professor de yoga. Imagine o
embaraço que muitas pessoas têm para dizer “eu te amo” para os
próprios filhos, e você não precisará ter lido mais nada acima para
entender do que estamos falando.
Espontaneidade fala dessas possibilidades. Já a possibilidade de
antever o futuro seu e dos demais, e se preocupar com as reações
alheias, fala dos limites. A consciência, no final das contas,
equilibra tudo isso, com doçura.
Ser autêntico e falar de si sem medo de ser ridículo. Desenhar do seu
próprio jeito corações em torno de um texto escrito à mão para alguém.
Não utilizar um perfume naquele dia. Abrir o armário de uma pessoa
querida só para sentir seu cheiro impregnado nas roupas de tal forma,
que mesmo lavadas persistem em marca-las. Fechar os olhos de vez em
quando, permitir-se a uma dança lenta, um abraço apertado, onde a
experiência olfativa domine a cena, pode registrar memórias
inesquecíveis, e nos trazer para esse equilíbrio aos poucos.
Os melhores cheiros serão sempre os cheiros reais, da natureza, dos
corpos, da mistura de folhas frescas e verdes, mato, madeira, flores,
materiais diversos, que, espontaneamente, materializam-se em nossas
narinas como gotas mágicas de emoções, enternecendo a todos num mesmo
instante. O nariz nunca se engana.
Pode o mundo ser consciente sem olfato?
Acredite, querem que você veja assim. E isto não cheira nada bem…
Próximo sentido: Visão.**
* * *
*Arnaldo V. Carvalho é terapeuta corporal, naturopata e autor do livro
“Shiatsu Emocional” http://www.shiatsuemocional.com.br
** (não postarei aqui, porque não se relaciona diretamente às áreas de
interesse da aromaterapia; Contudo, estará presente no site da Ong
Portal Verde http://www.portalverde.com.br, e no meu site pessoal,
http://www.portalverde.com.br/arnaldovc).
(publicado em 26 de março de 2008 no grupo Aromaterapia e Óleos Essenciais)