Como é difícil votar!

Desabafo de Arnaldo V. Carvalho

Já votei. Votei e não vim aqui falar em quem. Vim para desabafar.

Quem estará preparado para votar? quem estará, de fato, preparado para votar? Assumir-se de esquerda quer dizer que vai votar em candidatos de esquerda? Serão os ditos de esquerda de fato esquerdistas? Começarão os esquerdistas uma mudança social iniciando pela redistribuição de seus próprios salários e mordomias?  Por outro lado, ser de direita é de fato ter compromisso com certa liberdade? É ser “liberal” e permitir mais a livre iniciativa? E o quanto temos de liberdade interna para externalizarmos a contento e de maneira sustentável? E o quanto esse interesse por liberdade é real entre os candidatos liberais? Os liberais estarão interessados em liberar seus cargos ao fim dos mandatos? Serão eles defensores reais de uma liberdade para todos? É difícil.

Estará a ideologia esquerda-direita representando um conflito existencial humano INDIVÍDUO x COLETIVO? Ou isso é um aspecto ultrapassado, visto que talvez o país já não possua direita e esquerda coesos? Ou isso é invenção de terapeuta, coisa de gente que não tem o que fazer?

Vejo que em todo partido tem gente boa, e gente ruim. Minha amiga Lucia e minha amiga Marcia são PSDB. São boa gente, pensam no coletivo. Não são ricas, não são pobres, são ligadas a conhecimento, uma é professora universitária. A Marcia inclusive vai em reunião de partido, briga lá dentro. O Berna é ambientalista aqui, premiadíssimo. É PV. E até onde sei, é amigo do Guida, em quem não votaria. O PV afinal será mesmo focado em sustentabilidade ou eco-capitalismo? Há chances para um ambientalismo correto dentro do capitalismo? O partido tem que sobreviver… O PRP recebeu um novo filiado, o Allan Ponts. Proeminente acupunturista, entrou para brigar pelo direito da Medicina Tradicional Chinesa ter formação própria e profissionais específicos autorizados a exerce-la no país. Mas o PRP está na coligação que apoia o Picciani, gravemente envolvido com pedofilia (apagaram isso da memória do povo!) e do César Maia.. Que partido é esse, que mal surge se alia assim? O Allan não tem nada a ver com esses caras. Mal conhece inclusive o próprio partido. Mas, como o Brasil não permite candidatura independente.. lá está o Allan, que preferiu um partido mais novo, menos manchado que “esses aí todos”. A Michelle é coerente, honesta, lida com ONGs e educação, e gosto muito de suas idéias. Ela é PSOL, e o único candidato que comparece na câmara dos vereadores, como um funcionário qualquer, o RENATINHO, tambémvota sempre no que eu votaria é PSOL. A Pimenta é filiada ao PT, e aguentou o tranco de ser da frente interna do partido que não concorda com o que a direção nacional vem fazendo. O Roberto Freire é PPS, mas o PPS apoiou o Collor. O PPS em Niterói é do Comte, que não conta comigo nem por um decreto. No final, todos eles já flertaram com o Collor. Menos o PSOL e o PSTU. O PSOL  também é o único que me lembro que não tem ninguém na lista de gente associada a escândalo que corre na Internet.O PSTU é a favor da moratória. Eu não aprecio a moratória, porque já fui credor e acho injusto que não me pague aquilo que me pertence segundo acordo previamente formalizado. Já fui, inclusive, prejudicado e muito por isso. Também já fui devedor, e morro de vergonha de não honrar um compromisso financeiro. Uma coisa é renegociar dívida, fruto de cagada de quem veio antes. A outra é simplesmente não pagar. O PSTU é o partido do “contra burguês”. Uma frase para mim amedrontadora. Não sou contra burguês. Também não sou a favor.

O empresário é “o mal” e o empregado “o bom”? Isso para mim é fora de cogitação. O empresário que trabalha 15 horas por dia, segue os valores de mercado na contratação e paga seus funcionários em dia, desconta todos os impostos, obedece e oferece todos os benefícios previstos pela Lei e trata todos de forma cortês é mal? E o funcionário que trabalha de má vontade, que detesta o que faz e é eternamente desmotivado, e torce para acabar logo o dia e que venham logo os feriados e as férias, é bom? Essa é uma briga que parece que tem gente com interesse em construir. Uma briga onde todos saem perdendo. Temos sérios motivos para questionar o paternalismo instalado e continuamente prometido por direitas e esquerda. Bolsas-tudo não são necessárias a quem tem oportunidade igual e é valorizado adequadamente pela força de seus esforços. Décimo-terceiro não é necessário a quem tem capacidade e inteligência financeira para transformar o 1/12 que lhe ROUBARAM do salário final para criar a ilusão do décimo terceiro em investimento que lhe renderia mais no fim do ano que um salário a mais. Essa capacidade nenhum governo, nenhum candidato pensa em dar. Direita, esquerda, tudo igual (será?).  O povo é que não sonhe com auto-suficiência. É obrigatório ir à Lei com auxílio profissional, cuidar da saúde com auxílio profissional. É obrigatório não morrer e contribuir até não dar mais com o sistema. Bom, mas aí o papo engrossa e vai para um tentáculo diferente dessa história. Fato: Empresariado e Povão foram polarizados pela política que divide e conquista.

A existência da burguesia é uma consequencia direta do sistema que ninguém questiona (os países que questionaram também foram por água abaixo, massacrados em guerras-do-paraguai modernas, sem armas). E o sistema que escolhemos está infiltrado na raiz de um povo que é capaz de “fazer o mesmo” se estiver lá em cima.

Por falar nisso, outro dia a política quase matou, ou matou em parte, um irmão meu. Matou em meu coração. Encontrar um amigo-irmão com quem convivi a infância inteira, que sempre gostei muito, a quem sempre escutei as opiniões com respeito e relevância, a me dizer: “estou estudando pra concurso público agora; assim que passar fico na boa, mamando. chega, não aguento mais trabalhar para eles”. Foi um golpe no meu fígado.

Em todo o país tem gente culta, nos vários partidos. Gente boa e não tão boa. Gente rica e gente pobre. Gente que pensa coletivamente, e gente que só pensa em si (ou no máximo em seus parentes). Gente que entende o compromisso de ser político, gente que usa o cargo público para ter vida boa. Gente que entende que a atividade política não precisa ser em tempo integral, e por isso mesmo não comparece a quase nada. Gente que entende que, se o cargo é remunerado, precisa se esforçar como qualquer outro trabalhador no país. Em todos os partidos, até onde pude perceber (porque meu alcance é confessamente LIMITADÍSSIMO!), tem disso tudo.

Dou outro lado, é notório: Em todo o país, a maioria das pessoas está tentando “votar certo”. Isso é bom! É emocionante! Mas não suficiente…

Sim, eu votei. Que critérios usei? O partido mais simpático, a esquerda “da vez”, o “do contra” em relação às duas tentativas brasileiras anteriores… ? Ou anulei meu voto e tentei engrossar a massa que quer mostrar-se indignada, mostrar que não está satisfeita com nenhum partido, nenhum político nesse país? Sim, porque a grande função do voto nulo ocorre quando o povo assim o faz com convicção. No dia que tivermos mais voto nulo que um candidato importante, veremos uma politica tão desmoralizada que, sei lá, vai ser preciso que se faça algo. Mas.. mudará mesmo? Bom, eu posso ter votado segundo uma análise de currículo… Se o fiz, corro riscos. Currículo conta. Mas não determina. Aliás, o que é mais currículo? Ter diplomas, ter estudado a sociedade, ser um cientista político? Ou ter vivido a sociedade estudada “de cima”, ter tomado a cachaça do povo e apertado parafusos dos carros dos “de cima”? Currículo é ter experiências pregressas em cargos executivos? Como avaliar com precisão se essas experiências são de fato satisfatórias? Como saber se o jogador saberá lidar com novas cartas, mover engrenagens outras que lhe são de conhecimento? Finalmente, há currículo nesse mundo que revele índole? Pois eu posso ter votado em um dos candidatos que “realmente tem (em breve, tinham)” chances reais de vencer. Nesse caso, a eleição simplifica: Só preciso trabalhar dois nomes. Voto na continuidade dolorosa, ou corro riscos de sair da panela e cair no fogo? Votar no candidato do governo é de fato falar de continuidade? Terá esse candidato o mesmo poder de fogo, diplomacia, visão social e bancada de apoio que o governante anterior? E se descontinuo, descontinuo mesmo? Ou recontinuo a experiência de governos antecessores? Ou me surpreendo e continuo uma direita travestida de esquerda ou uma esquerda transformada em direita?

Ah, os escândalos. Pode ser uma saída para eleger bem. Quem tem menos, leva meu voto. Dá para ser assim? Ih, não dá. Terei votado em quem não está associado a escândalo mas um partido inteiro – ou quase – está? Ou em alguém associado a tantos escândalos bem próximos de si?

Isso me faz pensar, de novo, naquele problema do Allan Ponts e seu partido – o quanto um partido pode de fato influenciar um governante, seja em que cargo estiver? Terá Lula sido influenciado pelas diversas opiniões dentro do PT (ou ao menos relevado) ou terá ele definido sua própria opinião e ter feito uma grande falange o abraçar e seguir?

Talvez eu tenha votado no candidato notório que perderia de qualquer jeito, mas fortaleceria um partido. Mas me ocorre que observar o candidato a vice-presidência pode ser importante, e nesse caso, em quem voto? Que interino desejo? O vice conta. Quando observo os vices.. Vacilo. Certos vices deveriam envergonhar o partido. Por outro lado, uma amiga militante um dia foi candidata a vice em eleições passadas. Depois envergonhou-se ela de ter aceito. É que sempre se tem descoberta  fazer nas horas Hs… Ainda bem, pensa ela, que o candidato não ganhou. Um alívio.

Quem elege em nosso país? A massa de manobra é mesmo de manobra?  Ou o empresariado os faz de marionete? Afirmo que o povo é incapaz, e o absolvo como espécie de “eternos ingênuos”, inimputáveis “bons selvagens”? Ou aposto na força da propaganda-cenoura a atrair burrinhos com antolhos? Ou creio que não, que o povo tem capacidade de observar ao menos o que tem sido bom para ele? Estará o nordestino do sertão votando no Lula porque ele é do sertão, da mesma maneira que a vizinha da Nívia vota no candidato que “cresceu no bairro”, mesmo que o bairro não tenha melhorado quase nada com os vários anos desse mesmo candidato no poder local? Teremos um povo ligado ao imediato, porque imediato é a comida no prato URGENTE-AGORA, e que, mantido sob esse cativeiro é capaz de reeleger o Collor, a família Sarney, votar em alguém cujo currículo é ser “candidato do Lula” e ponto final? Se o temos, é possível acreditar em mudança pela base? Podemos esquecer das correntes maoístas-e-outros-bichos-eístas que uniram povos inteiros? O que tais correntes conseguiram? Em outra mão, foi a intelectualidade capaz, algum dia, de representar mudanças concretas em nosso país? Foi tendo gente “mais educada” ou “mais preparada” que o panorama mudou? Assim, dá para acreditar numa mudança pelo topo, seja de uma elite intelectual, seja de uma elite financeira? Perguntas que parecem negativistas, mas são o retrato do abismo para o qual o trem de nossa sociedade está sendo conduzida.

O Brasil é isso: cabeça, corpo e pernas (incluindo o rabo). Uma esfinge esquisita, onde cada parte quer ir para um lugar diferente. Deve ser por isso que tenho tantas dúvidas. Votar certo é responder um enigma. Coisa de esfinge. Quem ganha com a desarticulação da esfinge? Há quem ganhe. Tem que haver. Alguns nem vivem aqui, especulo. Ou não há? Ou só há perdas, porque o povo (aqui incluo todas as partes da esfinge) ainda não se tocou que a guerra que estamos travando entre classes está com foco no inimigo errado.

Pois é, dei um corpo pro Brasil. Sou terapeuta corporal, você sabe. Pra mim, tudo o fim das contas, para o bem ou para o mal, pode corporificar, hehe. É uma maneira de entender o mundo. Por que não posso ter usado meu conhecimento para eleger melhor? Bingo! Tenho anos de prática. Dificilmente erro com o olhar. Observo as couraças físicas a traduzirem as emocionais nas pessoas. Treinei o olhar para compreender o interior das pessoas através dos sinais que elas me oferecem. Suas doenças pregressas também me dizem.. Então ok, vou lá avaliar a postura dos candidatos, o semblante deles, o jeito de andarem, falarem, os músculos mais tencionados… Olha, não deu pra ser por aí não. Porque político e ator são muito parecidos, tão parecidos que atores já foram várias vezes presidentes e governadores de países como EUA (e pensar que eles tiveram Reagan e tem o Schwarzenegger e nós temos o Tiririca*). E ator sabe imitar tão bem. E as pessoas botoxam tanto, tem fono, disfarçam tudo o que podem, como podem. Meu olhar “de raio x” vencerá tais barreiras? Não mesmo. Talvez se estivessem na minha frente, nus… Talvez se pudessem toca-los, e assim passasse a contar com minha cinestesia… E eu poderia ter aplicado testes! Sim, claro! Todo terapeuta tem seus testes. Isso teria me ajudado. Mas, sabe.. Sou apenas um terapeuta. Olhar tão claro não dá. Erro pouco, mas já cometi erros avaliativos graves em relação a algumas pessoas. Também já disfarcei bem, quando talvez gostasse menos de mim tal como realmente sou, em minha pequenez. E se sei me disfarçar, outros também o sabem. Tenho tantas virtudes e defeitos quanto meus clientes. Também faço terapia, também vivo em busca de me aperfeiçoar. O terapeuta, como não é guru, pode igualmente ir se melhorando, fazer sua terapia e ir arrumando sua casa interna, pra felicidade entrar e ficar cada vez mais no corpo e na alma – essa é nossa função profissional e social. E isso ocorre mesmo com as dúvidas políticas, mesmo com dilemas e angústias. A terapia não vem para tampar o sofrimento, mas para lidar com ele. Ajuda a gente a um amadurecimento consciente. Isso é muito bom. É muito bom mas não define cargo político, não define o voto certo. As couraças, os meridianos e seus bloqueios mostram pra gente o quanto as pessoas sofrem, e talvez onde sofrem. Mas não dizem o que as pessoas fazem com isso. Qual é o preciso reflexo final de tais bloqueios e sofrimento. Se tornam-se caridosos cheios de culpa ou miseráveis burgueses corruptos impotentes sexuais. O que eles farão para o mundo com as chagas impressas na alma, ninguém pode saber. Pronto, caiu mais um “jeito” de eleger. E agora, o que falta? Faltam mais perguntas.

A esquerda e o empresariado se uniram? Como pode? A direita está ao lado do social? Como pode? Quantas vezes repetirei essas perguntas-indignações o longo desse texto, mesmo que com outras palavras? Por mais que sejam várias, não será o suficiente.

Os que elegem comparam governos com boa memória? Lembram de cada momento do país, com cada político? Associam o político a um partido? São capazes de dar um veredito seguro sobre a firmeza de posição ideológica que um partido possui? Enxergam o país como continente e multi-cultural? Enxergam a atenção que o governo central deu a cada região, e o governo estadual deu às suas distintas áreas? São capazes de ir além do que sentiram acontecer na rua onde moram e olhar por todos? Finalmente: Esses eleições teriam obrigação de olhar por todos? Isso não é impositivo, anti-democrático, ditador?

Perguntas, perguntas, perguntas. Perguntas que não sou capaz de responder, com firmeza. Perguntas que em meu texto só terminam aqui, porque a Vida me chama, e a Felicidade, não importa o novo presidente eleito, continua só dependendo de mim. Viva o Rabo do Tatu!

Arnaldo

PS: Um último tanino a expulsar da garganta: Me entristece o coração ao perceber  que o Brasil continua (e eu continuo), no final das contas, e com toda boa vontade, votando como um ato de fé.

VIVA O RABO DO TATU!

* Isso foi só uma provocaçãozinha. O Brasil tem candidatos e eleitos bons e ruins em todas as profissões; Os atores por favor não sintam-se desqualificados, jamais tive essa intenção, pelo contrário, me orgulha ver um Milton Gonçalves ou uma Bete Mendes engajados no cenário político. E por favor, não pensem que admiro o Arnold ou o Ronald – muito pelo contrário!

Podemos esquecer das correntes maoístas que uniram povos inteiros?