– Cocô, muito prazer!
Por Arnaldo V. Carvalho*
Tenham em mente: cocô perfeito é aquele que sai sem qualquer dor, e quando a gente passa o papel no rabiote não sai nada ou praticamente nada. Acredito que com essa pista 99% de vocês pensou “ih, e agora?”, hehehe. Mas é verdade. Para um bom cocô, a primeira coisa a fazer é rever a relação que se tem com ele. Cocô é a coisa mais próxima que existe da terra fértil que tem aquele cheirinho bom quando a chuva bate. A maioria das pessoas cria má relação com o cocô desde… sempre. Vamos ver?
Na ordem do despertar fisiológico, é mais ou menos assim: a gente primeiro é tocado, então respira, depois mama e depois faz xixi e cocô. Isso aí. Troca de calor, depois troca de ar, depois troca de materiais, o leite pelo cocô. Umhum, nascemos, e por mais humanizado que seja um parto, o que se segue ao momentinho pele com pele com a mãe (momento mágico e privilégio infelizmente de uma minoria) é a colocação de FRALDAS. A fralda diz ao bebê “essa região do seu corpo é diferente; e diz com o silêncio: “não receberás contato, e nem mesmo tu entrarás em contato com essa região”. Ninguém quer “se sujar”!!! Mas o que pode haver num xixi ou num cocô recém nascido, que veio de um ambiente 100% descontaminado, que experimentou nos intestinos e nos rins apenas líquido amniótico, que em boas condições é límpido, quase uma lágrima? Já dizia minha mãe “bicho de goiaba é goiaba”.
… “é a coisa mais próxima que existe da terra fértil que tem aquele cheirinho bom quando a chuva bate“
Vamos pra frente. Então o bebê fez seu primeiro cocô na fralda. O cocô fica de minutinhos a bem mais que isso em contato com a pele. O cocô do bebê é bem ácido, a pele dele bem fininha… resultado: assa a toa! O cerebrinho louco de vontade de aprender e ter seu neo-cortex supimpão registra em seu diário de bordo da espaçonave Vida: “mamei. senti um aperto na barriga. saiu um material quentinho. alívio. depois ardor e manipulações várias”. Trocando de razão para emoção, o cerebro reptiliano-dinossaurico do nenemzinho acusou no serzinho a seguinte ordem de acontecimentos emocionais: prazer-desconforto-prazer-dor-desconforto. Que lição! Mas não fica por aí. A mamãe ou quem lá for tirou a fralda. O campo visual do bebê é aquele ser que lhe livra daquela coisa que faz perder contato da pelve. Ele vê uma pessoa fazer expressão de nojo, fazer “hummmm” torcendo o nariz e afastando o rosto, olhando de lado para aquela “criação”. Registra na memória aquela expressão. Mais tarde, ela estará associada a emoções negativas. Ou seja, cocô não pode ser coisa boa – embora instantes antes tivesse sido prazeroso! Como se não bastasse, as vezes por um montão de motivos que não cabem aqui (até cabem mas aí já é detalhe demais), o cocô prende lá dentro. Povo faz de tudo, bebê desconfortabilíssimo, e… supositório de glicerina. Aplicação fora da ordem programada para o ânus, desconforto que salva: coça coça e AVALANCHE! Lá vem o cocô como por mágica, bastante. O supositório diz: “não consegues sozinho” e diz “essa coisa terrível tem de sair daí”. É… cocô é mesmo uma merda.
Aí vem aquela fase segunda, depois de tantos registros: o uso do vaso. O bebê andava tão feliz porque agora já sabia andar, e podia simplesmente abaixar-se de cócoras para fazer fácil seu cocozinho! Quanta liberdade, e tudo tão fácil! E se não houvesse fralda, se o bicho-homem ainda não teimasse em deixar de ser bicho, o tal cocozinho ainda ia direto para a terra, sem o desconforto da acidez das fezes, com o prazer do fazer. Mas ok, ele usa fralda. E ao sentir o quentinho, sente prazer – é claro! E claro, também não entende – ainda – porque os adultos fazem cara feia, abanam o nariz em sinal de cheirinho ruim. O nenê já está careca de saber disso. Só não entende porque. Por ele, o cocô já deveria ter sido explorado com toda a sensorialidade: olhado, cheirado, tocado, até comido! Alguns até que conseguem. Mas… sabe lá o que os adultos pensam disso, eles detestam, e então o euzinho do nenem que quer muito pertencer (e não só possuir como pensam alguns a respeito do egocentrismo pueril) já está bastante catequizado no primeiro ano de vida. Já viu inclusive que cocô é algo que se esconde, que o papai e o irmão mais velho e todo mundo se esconde quando o faz. O que poderia ser uma natural busca por privacidade pela liberdade fisiológica, pelo ato de parir as fezes livre dos estímulos corticais ocorridos na percepção de ser observado será transferido para mera proibição “sob pena”, uma vez que as fezes são ali imediatamente isoladas, eliminadas, e todos os seus resquícios devem desaparecer o quanto antes.
Que invenção essa tal de PRIVADA (sacaram agora o nome né?). Ao menor sinal de que “está afim” de defecar, lá vai o serzinho ser transportado as pressas para ela. No vasinho ocidental, ou mesmo no pinico, o menininho ou meninina é sentado(a) numa posição bem menos fisiológica, as pernas já não podem pressionar o abdômem, a pelve já não encontra-se encaixadinha. Segue-se uma explicação, seguem-se perguntas, estimula-se o cérebro racional para mais um daqueles atos que deveria ser dos mais instintivos de todos. Mas isso não é nada, pois é para fazer no lugar certo que nosso cortex serve mesmo. O problema mais sério é quando depois disso a criancinha ouve: “só saia daí quando fizer”. O ato é uma prisão!
É, não é difícil que para aqueles que são castigados com o “banquinho” associem em seu inconsciente mais uma vez castigo – a pose, a ideia do cantinho e do isolamento, tudo isto está lá. Veja que estamos falando da criação “normal”, “carinhosa”; não vou entrar nos vandalismos que adultos cometem com as crianças com punições das mais variadas ligadas a cocô. Nesse momento meus amigos, já seria milagre, façanha da maravilhosa inteligência humana estar de 100% bem com o cocô.
E não é casual que com cinco anos haja grande espanto – e grande atração, e risadas! – ao se falar publicamente – “cocô”! “xixi”! Publicamente, onde é “proibido”. Delícia de transgressão, os adultos ficam chocados. O ex-nenem exerce sua liberdade e diz: “eu posso”. Mas embora digam e riam dos adultos, já não entendem mais como os macacos conseguem segurar cocô na própria mão para jogar nos humanos que se divertem a base de encarcera-los. O nojo já é emoção desenvolvida. Mais velho um pouquinho, e fica o libertário registro: liberta-se essa má relação na fala com todos os “merdas!” e “bostas” e “que cagada!” aquilo que se aprisionou em tempos remotos. E como cocô sai por buraco e no ser humano todo buraco existe para dar prazer – presente que mamãe natureza coloca na gente para a gente curtir nossa fisiologia e os movimentos de interação do corpo com a Terra – hão de surgir fios-terra e as versões mais diferentes de analidade para todos os lados. Associada a sexualidade, a analidade reconquista para o ser o contato com algo que lhe foi tomado nesse estranho momento em que nosso primeiro presente concreto ao mundo tornou-se algo a ser combatido, escondido, detestado.
O cocô deve ter sofrido uma considerável depreciação nas culturas em que a higiene natural desapareceu (já reparou como os animais em seus ecossistemas naturais sempre são higiênicos?) e favoreceu doenças, pestes etc. até ser substituída pela higiene programada por uma racionalidade. Dá para imaginar o susto desses primeiros homens a resolverem olhar de novo para o corpo humano, a ver vermes de todos os tamanhos e quantidades movimentando-se nas fezes, ao perceberem quantas doenças – algumas letais – estavam associadas aos diversos parasitas intestinais. Sim, estamos até hoje atrelados a essa racionalidade surgida em contra-movimento a esse período, que carecia de muitas informações e gerou uma relação fóbica com o que via – fezes de fato bastante degradadas, frutos de corpos doentes, mal alimentados em todos os sentidos e desprovidos da higiene natural.
Não duvidemos que dessa neurose oriunda cocô está a origem da criação de um sistema sanitário inviável, que despeja algo que deveria ir para a TERRA em rios e mares. Talvez seja preciso rever a maneira de nos relacionarmos com o cocô para isso tudo começar a mudar.
E agora? “Sujou”!
Agora é o esclarecimento contra a regra cega. Entender que as bactérias que estão no cocô já estavam dentro do corpo (alguém já havia se tocado disso?) e que portanto não se devem teme-las dessa maneira neurótica que a sociedade alimenta. Entender que se temos higiene na entrada do material obviamente produziremos material de saída limpo e fértil (gratidão e contrapartida do corpo ao solo que o alimentou). Entender que o corpo tem mecanismo de prazer para todos os seus buracos: tudo o que entra e sai pelos 7 buracos da cabeça e pelos 3 buracos da pelve, geralmente na ordem gravitacional: entra pelos buracos de cima e sai pelos buracos de baixo (A sagrada excessão do sexo é mais um daqueles detalhes que tornam o sexo o que é: sagrado, disposto a brotar o yin do yang e o yang do yin). Ou seja, fazer cocô por instinto pode (e tem tudo para!) ser prazer. Entender que fazer cocô para além de descarga material é também descarga imaterial, de energia psíquica relacionada ao que já não precisamos carregar mais. Entender que o cocô pede momento de pausa, de recolhimento bom e contato do corpo consigo mesmo, como todo momento de descarga ou uso dos buracos de baixo (mesmo o contato sexual é um contato consigo – o consigo que vive no outro e forma no casal a Unidade, que lindo isso!).
Obviamente, falar de cocô é falar de material rico em enxofre, e nosso nariz já ensinou que material com enxofre nos desagrada, e nos desagrada para nos afastarmos mesmo, nos afastarmos porque enxofre é liberado no ar por bactérias anaeróbias, e a gente sem dúvida não tá afim delas – ao contrário, aprisionamos elas todas no bondão do cocô e mandamos elas para fora do corpo. Dali de fora ele se despede de nós, não sem antes nos oferecer de presente precioso meio de perceber nosso interior.
Uma benção do cocô é vermos qual é o resultado daquilo que comemos. Se não olhamos, não sabemos. Se não aprendemos a perceber pelas muitas diferenças de cheiro o que está acontecendo dentro do corpo, fica difícil de se estabelecer uma terapeutica! Muito pum? Glutem, oxalatos e má mastigação. O olfato é parte de nosso sistema de higiene natural, e é parte do sistema que nos leva a proximidade ou tomada de distância com tudo na vida: comida, animais ou vegetais potencialmente perigosos, parceiros sexuais, filhos, pais, e vida bacteriológica, encontrada em tudo o que tem matéria orgânica em decomposição – seja o cocô seja uma carcaça de animal ou vegetal podres. Assim, o cheiro de ovo podre associado a amebas, o cheiro ácido-apodrecido do excesso de carne, ou azedo do excesso de leite ou proteínas de difícil digestão, ou ainda o cheiro aparentado ao da bosta de vaca, que pode mostrar que o fígado precisa de cuidados. Muco? Dependendo da cor, consistência, cheiro é agressão química, alimentação com excesso de amido, possível presença de vermes. Cheiros, cores, consistência, presença de elementos vários, tudo deve ser investigado, pois tudo revela. O que estava dentro agora está fora, é nosso aviso de como está dentro. Não é preciso achar que os cocô-amigos gastam um tempo enorme de observação. O olho que vê com naturalidade capta em um segundo tudo o que é preciso captar no exame visual, que será complementado com a informação olfativa.
É pessoal, vamos por a mão na massa (sentido figurado!), sem medo de ser feliz: olhar o cocô, ver os detalhes, buscar correlaciona-lo com o humor, com o que se comeu. Fazer contato com esse lado de gente que a gente tem!.
* Arnaldo V. Carvalho, naturopata, estudioso do Pensamento Reichiano, da Medicina Tradicional Chinesa, do psiquismo e da Saúde Primal. Autor do livro Shiatsu Emocional, palestrante e conferencista conhecido internacionalmente. Atende no Rio e em São Paulo. arnaldovc@portalverde.com.br