
Fora da floresta, as audições são abertas. O tempo já é curto – apenas seis meses.
Dentro do bosque, um casal de padeiros vizinhos de uma bruxa queria ter filhos.
Fora da floresta, panelas fervem dia após dia.
Dentro do bosque, o príncipe procura por Cinderela, que é atacada pela mulher de um padeiro.
Fora da floresta, tintas de tecido são despejadas nas panelas, por semanas e semanas, enquanto a procura segue em brechós em todo o Rio. Uma bolsa peculiar envelhece ao tempo do lado de fora da janela.
Dentro do bosque, chapeuzinho curte o lobo mas é por ele enganado. De passagem, um padeiro a salva.
Fora da floresta, intermináveis fios de lã da cor do milho são trançados, dia após dia. Festas, vaquinhas – não há dinheiro e o projeto é audacioso demais para isso. O telefone não para e a busca por possíveis apoiadores persiste – persistirá até o final.
Dentro do bosque, João vai às nuvens e rouba dos gigantes faz sua fortuna.
Fora da floresta, 7 idênticas máscaras de látex são confeccionadas, enquanto João acerta os detalhes de palco e costura os diferentes plots cênicos.
Dentro do bosque, um príncipe fica cego bem como duas irmãs vaidosas.
Fora da floresta as máquinas de costura dão o tom final, enquanto o maestro conclui a obra instrumental. Ninguém de fora conseguiria enxergar o que estaria por acontecer.
Dentro do bosque outro príncipe está cego por seu ego, e vaga em busca de um gigante… Ou por ser lobo de novo.
Fora da floresta, temos uma equipe estudantil com qualidade de profissional transformando sonho em realidade. Pura magia.
Pela porta da frente
Equipe de jovens diretoresde teatro estreiam Into the Woods na UERJ e marcam o debut de suas carreiras fazendo o público vibrar
Por Arnaldo V. Carvalho
Eu ri muito quando assisti a Into the Woods – o filme – no cinema. Seis meses atrás, quando soube que a versão do musical seria encenada no Brasil fiquei entusiasmado.
Rever a divertida trama que coloca um casal de padeiros, Chapeuzinho Vermelho, João (do pé-de-feijão!), Cinderela, Rapunzel, a Bruxa e dois príncipes metrossexuais juntos em desventuras e confusões seria fantástico.
O que não poderia imaginar é que gostaria ainda mais da peça do que do filme! São duas horas e meia em que não se sente, para além de uma vontade louca que o intervalo do primeiro para o segundo ato acabe rápido.
Só pela história divertida? Não seria o suficiente, se não tivessemos uma produção e corpo de atores de primeira linha atuando.
Qual foi então a fórmula do sucesso na versão carioca de Into the Woods? Eu apostaria na equipe, individual e coletivamente. Vamos radiografar isso, por favor!
Pra começar temos uma adaptação de roteiro perfeita. Poderia ser “qualidade Disney”, sempre tão elogiada no primor das versões em português produzidas para suas animações. Mas é a qualidade “Vítor Louzada”. Eu tenho acompanhado o talento desse artista nos últimos anos. É impressionante. Ele faz as palavras saírem naturais, encaixando-se no tempo, nas canções; ele preserva a qualidade do humor e do drama em sua adaptação. Ele será reconhecido, anotem isso, nos próximos anos, como um dos grandes versionistas a atuar na dramaturgia no brasileira.
Roteiro perfeito, vamos ao suporte visual que a peça recebeu.
No abrir das curtinas, de cara, um figurino excepcional – vislumbrante mesmo. O que é aquele vestido da bruxa? O que são aquelas botas dos príncipes? E a Chapeuzinho? Incrível, simplesmente incrível.
Assinado por Evelyn Cirne, o estudo primoroso da peça gerou individualidade para cada personagem, e combinações harmoniosas quando dos números músicais. Quando forem assistir, não deixem de atentar para as cores e texturas, e o perfeito encaixe de roupa e contexto original presentes não só nos protagonistas, mas mesmo nos personagens secundários. As cores são lindas, roupas que parecem terem sidos produzidas por algum estúdio brodwayniano.
Os detalhes cenográficos feitos em equipe por Fê Correia, Caroline Amaral, Janice Schültz, Fernanda Mendes supera o desafio da falta de dinheiro com que a produção teve de lidar, improvisando criativamente. Fazem surgir uma torre de uma escada, carrinhos clássicos de carrinhos modernos, entre outros. Há, de qualquer forma, a liberdade imaginativa deixada para o expectador, com a opção de um cenário clean na maior parte do tempo – o que evita a poluição visual e valoriza a encenação.
Do visual para o prazer auditivo, segue o deleite dos amantes da arte. A peça é sustentada musicalmente por uma orquestra pequena e impressionante. Ela acerta em cada entrada, em cada acompanhamento, cada “blim-blem” e cada frase das músicas mais ricas. Primoroso trabalho de Edvan M. Junior, a quem eu chamaria de impecável.
Então temos os atores. Como deve ser difícil selecionar atores de qualidade dispostos a se debruçar em projeto de seis meses sem ganharem um centavo! Não vou comentar cada atuação e cada personagem, mas é inevitável não destacar a fantástica atuação muda da “vaca”, a força com que a atriz Cristiane Maquiné encarou o personagem mais difícil da peça – a bruxa -, e a energia de palco da mãe de João pé-de-feijão, a roubar cena após cena. Os príncipes são quase um capítulo a parte, não há entrada sem risada, como não houve cena mais engraçada que a do dueto entre os dois.
Mas esperem, se o resultado final da peça joga brilho em cada estrutura da peça – de novo, roteiro, figurino, cenário, atores, músicos, etc. – é porque há alguém para fazer essas engrenagens agirem como se fossem uma só e alcançarem seu potencial máximo. Esse alguém é João Gofman, o diretor. É ele o responsável pelas grandes decisões fora do palco, por compor a equipe, por realizar escolhas cênicas acertadas. Voilá! Um diretor que já nasceu de primeira linha que conseguiu liderar um pequeno exercito de jovens artistas rumo a gloria, mantendo-os unidos e deixando-os prontos. E assim, João Gofman entra pela porta da frente no majestoso teatro brasileiro.
É realmente impressionante, a média de idade dos diretores é apenas 21anos! Mas a platéia que esteve presente na estreia do musical Into the Woods (peça originalmente encenada na Brodway) assistiu um espetáculo que não deve em nada aos produzidos por diretores e encenados por atores bem mais experientes.
O que assisti foi uma estreia. Se no primeiro dia alguém percebeu que há pequenas limpezas cênicas e vocais a serem feitas, ao mesmo tempo não sentiu prejuízo ao espetáculo, pois são tão menores do que tudo o que deu certo… Ainda assim, aposto minhas fichas de que os próximos dias de Into the Woods prometem ainda mais magia e proximidade da perfeição.
Estamos testemunhando uma nova safra de artistas cênicos, com uma nova mentalidade e muito talento. Eles não abrem mão da qualidade. Eles são amigos. Eles são dedicados. Acredito que nos próximos anos, o cenário do teatro brasileiro deve vir a mudar para um novo patamar.
* Arnaldo V. Carvalho é terapeuta, pai, pedagogo e adora arte; deu a sorte de ter acompanhado “pelo lado de fora” a produção de Into the Woods na versão de Vítor Louzada e direção de João Gofman.
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