Externalizo minha tristeza e me solidarizo com todos os que hoje, como eu, não conseguiram dormir plenamente com a notícia trágica de ontem. O Museu ardeu em chamas, mas não por acidente. Foi assassinado, morte premeditada, publicamente anunciada e denunciada.
A imprensa que hoje ganha dinheiro de propaganda para “cobrir” a tragédia, não se sensibilizou enquanto o museu agonizou lentamente com a falta de recursos e verbas (não faltaram súplicas!). Estou fora do Rio e o meu desejo de voltar para casa e viver o luto é enorme. Parece com o sentimento de perda da Mariele; com a tragédia do Rio Doce; com os incêndios anteriores que transformaram em cinzas o acervo do Hélio Oiticica, o prédio da Reitoria da UFRJ, o edifício Wilton Paes de Almeida em SP.
Tristeza, desolação, raiva, revolta. Tantos sentimentos misturados e me pergunto: o que une tudo isso? Como meu coração liga a perda da Mariele ao Museu? Como ele liga a tragédia de São Paulo ao drama das famílias nos acampamentos de sem terras pelos quais passei ontem à tarde, nos arredores de um dos destinos turísticos mais badalados do Brasil? Luta, resistência, identidade, inconformismos, direitos de acesso. Tudo isso nos é espoliado no cotidiano e seguimos o fluxo de mãos atadas, censuradas. Frente às cenas de um prédio que abrigava o passado da humanidade, o presente de pesquisas científicas e o futuro das gerações que não conhecerão a riqueza do acervo perdido, me revolto quando assisto que, apenas nesse momento, quando tudo esta perdido, aí sim os historiadores, os antropólogos, os museólogos entre outros estudiosos do Museu, serem convocados para narradores dessa tragédia. Ironia fina. Modernidade líquida? Bauman talvez não tenha mencionado que o líquido não é só fluido, mas pode ser inflamável.
Nívia Pombo
Prof. Adjunta do Dpto de Historia do IFCH – UERJ