Estarei com a palestra Os Jogos de Tabuleiro e a Escola nesse lindo evento!
via LabJog na Semana Acadêmica do ISERJ
Mês: Julho 2019
Alma que não se esquece.
– Esperou eu morrer para aparecer? Cretino.
– Puxa, Dona Ângela…
– Ó, não faz isso comigo não!
– Não faço… É que…
Não gostava de despedidas. Nenhuma delas.
E não gostava nada da ideia de partir.
Viver não é grande coisa, talvez algum código nas sombras de sua mente lhe repetissem continuamente. E daí que ela fugiu muito dela, por muitos meios.
O contato humano, contudo era a certeza da vida. E a salvava. Por isso a falta de contato sempre fora rejeitada, insuportável que era.
Sobretudo, na alegria dos filhos. Eles a ancoravam por aqui. O orgulho deles mostrado em cada bronca, a maioria dela falsa mas que ela jurava serem verdadeiras.
– Pim eu não quero saber.
– Ah Carol não vem com essa.
Ela ainda fala comigo, aqui dentro de mim. Esbraveja. Eu a abraço e tudo se desfaz. No final ela me perdoa por eu ter de deixa-la mais uma vez. E sei que, entre nós, está tudo bem. Sempre.
Dona Ângela, mãe do meu compadre, irmão espiritual querido, chegou e partiu desse mundo no mesmo dia – dia 5 de julho – e no mesmo local. Um ciclo que e fecha, e com muito desenvolvimento, redenção e beleza. (Arnaldo)
***
Diáspora
Diáspora
Pereceram
O que a estes mares ontem se arriscaram
E vivem os que por um amor tremeram
E dos céus os destinos esperaram
Um barco cheio de Fariseus
Com os Cubanos
Sírios, ciganos
Como Romanos sem Coliseu
No rio vermelho do mar sagrado
Os center shoppings superlotados
De retirantes refugiados
Where are you?
Where are you?
Meu irmão sem irmã
O meu filho sem pai
Minha mãe sem avó
Dando a mão pra ninguém
Os meninos sem paz
Onde estás meu Senhor
Onde estás?
Onde estás?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Que embalde desde então corre o infinito
Onde estás, Senhor Deus?
O barco cheio de Fariseus
Com os Cubanos
Sírios, ciganos
Como Romanos sem Coliseu
No rio vermelho do mar sagrado
Os center shoppings superlotados
De retirantes refugiados
Where are you?
Where are you?
Where are you?
Meu irmão sem irmã
O meu filho sem pai
Minha mãe sem avó
Dando a mão pra ninguém
Sem lugar pra ficar
Os meninos sem paz
Onde estás?
Onde estás?
Where are you?
Where are you?
Where are you?
Where are you?
trânsito.
“Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docentemente aprendi essas relações entre o efêmero e o eterno (…) Em toda a minha vida , nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade”.
Cecília Meireles (1901-1964)
Eliminando o Humano
Em ensaio brilhante, David Byrne fala sobre o fim da interação humana e as reações que precisamos ter Já. Há muita gente comentando sobre o texto de Byrne, mas não encontrei tradução. Então, o fiz para a lingua portuguesa para facilitar a todos e podermos conversar. Há tanto a se conversar de humano para humano! (Arnaldo) NOTA: Os grifos no texto são meus.
Eliminando o humano
Por David Byrne
Tradução de Arnaldo V. Carvalho
Estamos envolvidos – e imersos – em aplicativos e aparelhos que, silenciosamente, reduzem a quantidade de interação significativa que temos uns com os outros.
Eu tenho uma teoria de que muito do recente desenvolvimento e inovação tecnológica da última década ou mais tem um compromisso secreto: a possibilidade de um mundo com menos interação humana. Essa tendência é, eu suspeito, não uma falha – é uma característica. Poderíamos pensar que Amazon é sobre fazer os livros ficarem disponíveis para nós que não conseguíamos encontrar localmente – e é verdade, e que ideia brilhante essa -, mas talvez ela também seja um tanto a respeito da eliminação do contato humano.
É isso então, é a nova norma. A maioria das notícias tecnológicas com as quais somos bombardeados é sobre algoritmos, Inteligências Artificiais (IAs), robôs e carros auto-dirigidos, todos os quais se encaixam nesse padrão. Não estou dizendo que tais desenvolvimentos não são eficientes e convenientes; não é um julgamento. Estou simplesmente percebendo um padrão e me perguntando se, ao reconhecermos esse padrão, é possível percebermos que é apenas uma trajetória de muitas. Existem outras estradas possíveis por onde poderíamos seguir, e aquela em que estamos não é inevitável ou a única; Ela (possivelmente inconscientemente) foi escolhida.
Eu percebo que estou fazendo algumas suposições e generalizações radicais e loucas com essa proposta – mas eu posso dizer que estou, ou pelo menos estive, no grupo que se identificaria com o inconfesso desejo de limitar a interação humana. Eu cresci feliz, mas também vivenciei várias interações sociais extremamente desconfortáveis. Frequentemente, perguntei a mim mesmo se havia havia regras em algum lugar que não me contaram, regras que explicariam tudo para mim. Às vezes eu ainda tenho pormenores sociais “explicados” para mim. Frequentemente estou feliz de ir a um restaurante sozinho e ler. Eu não gostaria de ter que fazer isso o tempo todo, mas não tenho nenhum problema com isso – embora às vezes eu perceba olhares que dizem “pobre homem, ele não tem amigos”. Portanto eu acredito que posso dizer algo sobre de onde esse impulso não falado pode vir.
A interação humana é muitas vezes percebida, na mentalidade de um engenheiro, como complicada, ineficiente, ruidosa e lenta. Parte do fazer algo “sem fricção” é colocar o lado humano fora do caminho. Não é que fazer um mundo para acomodar essa mentalidade seja “mau”; mas quando se tem tanto poder sobre o resto do mundo como o setor de tecnologia exerce sobre pessoas que podem não compartilhar dessa visão de mundo, surge o risco de um estranho desequilíbrio. O mundo tecnológico é predominantemente masculino – muito mesmo. Testosterona, combinada com uma diretiva de eliminar o máximo possível da interação entre humanos reais pela causa da “simplicidade e eficiência”, monta a equação; e esse é o futuro.
A EVIDÊNCIA
Aqui vão alguns exemplos de tecnologias de consumo bastante onipresentes que provêem uma menor interação humana.
Compras Online e entrega em casa: Compras on-line são tremendamente convenientes. Amazon, FreshDirect, Instacart, etc. não apenas cortaram as interações nas livrarias e nas filas dos caixas; Eles eliminaram toda a interação humana dessas transações, excluindo as recomendações on-line (muitas vezes pagas).
Música digital: Downloads e streaming: não existe uma loja física, é claro, então não há nenhum daqueles funcionários esnobes que se acham “os sabichões” para lidar. Whew, você pode dizer. Alguns serviços oferecem recomendações algorítmicas, então você nem precisa discutir música com seus amigos para saber o que eles gostam. O serviço sabe o que eles gostam, e você também pode saber sem falar com eles. A função da música como um tipo de cola e lubrificante social também está sendo eliminada?
Aplicativos de transporte urbano: A interação é mínima: não é preciso dizer ao motorista o endereço ou a rota preferida, nem interagir se você não quiser.
Carros sem motorista: em um sentido, se você está fora com seus amigos, não ter um de vocês dirigindo, significa mais tempo para conversar. Ou beber. Muito bom. Mas a tecnologia sem motorista também tem como objetivo eliminar os motoristas de táxi, motoristas de caminhão, motoristas de entrega e muitos outros. Existem grandes vantagens para a eliminação de seres humanos aqui – teoricamente, as máquinas devem dirigir com mais segurança do que os seres humanos, então pode haver menos acidentes e fatalidades. As desvantagens incluem perda de emprego maciça. Mas esse é outro assunto. O que estou observando aqui é o consistente padrão de “eliminar o humano”.
Pagamento automatizado: a Eatsa é uma nova versão do Automat, um “restaurante” já popular, sem equipe visível. A loja de conveniências local tem treinado o pessoal para nos ajudar a aprender a usar as máquinas de pagamento que os substituirá. Ao mesmo tempo, estão treinando seus clientes para fazer o trabalho dos caixas.
A Amazon vem testando lojas – até mesmo supermercados! – com compras automatizadas. Eles são chamados de Amazon Go. A ideia é que os sensores saberão o que você pegou. Você pode simplesmente sair com as compras que serão cobradas na sua conta, sem qualquer contato humano.
IAs: IAs são freqüentemente (embora não sempre) melhores na tomada de decisões do que seres humanos. Em algumas áreas, podemos esperar isso. Por exemplo, a IA sugerirá a rota mais rápida em um mapa, representando o tráfego e a distância, enquanto nós, como humanos, estaríamos propensos a tomar nossa rota-já-experimentada-e-sabida. Mas algumas áreas onde a IA é menos esperada ser melhor do que os humanos estão igualmente se abrindo. Estão ficando melhores em detectar melanomas do que muitos médicos, por exemplo. Muito trabalho jurídico de rotina será feito em breve por programas de computador, e avaliações financeiras já estão sendo feitas por máquinas.
Força de trabalho automatizada: as fábricas cada vez mais têm menos trabalhadores humanos, o que significa que não há personalidades para lidar, nem agito para horas extras, nem doenças. O uso de robôs evita a necessidade de um empregador pensar em seguros dos trabalhadores, saúde, segurança social, impostos indenização de demissão do trabalhador.
Assistentes pessoais: com um melhor reconhecimento de fala, pode-se conversar cada vez mais com uma máquina como Google Home ou Amazon Echo em vez de uma pessoa. As histórias divertidas abundam à medida que os erros são resolvidos. Uma criança diz: “Alexa, eu quero uma casa de bonecas” … e eis que os pais encontram uma em seu carrinho.
Big data: Melhorias e inovações no tratamento de grandes quantidades de dados significam que os padrões podem ser reconhecidos em nosso comportamento, onde eles não eram vistos anteriormente. Os dados parecem objetivos, então nós tendemos a confiar neles, e podemos muito bem vir a confiar mais nesse apanhado de dados pré-tratados mais do que em nós mesmos e em nossos colegas e amigos humanos.
Videogames (e realidade virtual): Sim, alguns jogos online são interativos. Mas a maioria é jogada em uma sala por uma pessoa conectada no jogo. A interação é virtual.
Compra e venda de estoque em alta velocidade automatizada: Uma máquina que cruza enormes quantidades de dados pode detectar tendências e padrões rapidamente e agir com mais rapidez do que uma pessoa pode.
MOOCS (cursos online abertos e massivos): educação on-line sem interação direta com professores.
Redes “sociais”: esta é uma interação social que não é realmente social. Enquanto o Facebook e outros freqüentemente afirmam oferecer conexão, e realmente oferecem a aparência disso, o fato é que muitas mídias sociais são uma simulação de conexão real.
QUAIS SÃO OS EFEITOS DE MENOS INTERAÇÃO?
Minimizar a interação tem alguns efeitos impactantes – alguns deles bons, outros não. Exteriorizações da eficiência, alguém poderia dizer.
Para nós, como sociedade, menos contato e interação – interação real – parece levar a menos tolerância e compreensão da diferença, assim como mais inveja e antagonismo. Como já foi evidenciado recentemente, as mídias sociais realmente aumentam as divisões, amplificando efeitos de eco e permitindo que vivamos em bolhas cognitivas. Vamos alimentando o que já gostamos ou o que nossos amigos com preferências similares gostam (ou, mais comumente agora, o que alguém pagou para nós vermos em um anúncio que imita conteúdo). Desta forma, nós realmente nos tornamos menos conectados – exceto para aqueles em nosso grupo.
As redes sociais também são uma fonte de infelicidade. Um estudo realizado no início deste ano por dois cientistas sociais, Holly Shakya na UC San Diego e Nicholas Christakis em Yale, mostraram que quanto mais pessoas usam o Facebook, pior se sentem sobre suas vidas. Embora essas tecnologias afirmem nos conectar, o efeito certamente não desejado é que elas também nos separam e nos deixam tristes e invejosas.
Não estou dizendo que muitas dessas ferramentas, aplicativos e outras tecnologias não são extremamente convenientes, inteligentes e eficientes. Eu mesmo uso várias delas. Mas, em certo sentido, eles são contrários a quem somos como seres humanos.
Nós evoluímos como criaturas sociais, e nossa capacidade de cooperação é um dos grandes fatores de nosso sucesso. Eu argumentaria que a interação social e a cooperação, da natureza que faz com que nós sejamos quem somos, é algo que nossas ferramentas podem aumentar, mas não substituir.
Quando a interação se tornar uma coisa estranha e desconhecida, então teremos mudado quem e o que somos enquanto espécie. Muitas vezes, nosso pensamento racional convence-nos de que nossa interação pode ser reduzida a uma série de decisões lógicas – mas nem mesmo estamos conscientes de várias das camadas e sutilezas dessas interações. Como os economistas comportamentais nos contarão, não nos comportamos racionalmente, mesmo que pensemos que sim. E os Bayesianos nos dirão que a interação é a forma como revisamos nossa imagem do que está acontecendo e o que acontecerá depois.
Eu argumentaria que também existe um perigo para a democracia. Menos interação, mesmo a interação casual, significa que se pode viver em uma bolha tribal – e sabemos onde isso leva.
É POSSÍVEL QUE MENOS INTERAÇÃO HUMANA POSSA NOS SALVAR?
Os seres humanos são caprichosos, erráticos, emocionais, irracionais e tendenciosos no que às vezes parecem como jeitos contraproducentes. Muitas vezes parece que nossa natureza rápida e egoísta será a nossa queda. Há, ao que parece, muitas razões pelas quais tirar humanos da equação em muitos aspectos da vida pode ser uma coisa boa.
Mas eu argumentaria que, embora nossas várias tendências irracionais possam parecer inconvenientes, muitos desses atributos realmente funcionam a nosso favor. Muitas de nossas respostas emocionais evoluíram ao longo de milênios, e elas são baseadas na probabilidade de que elas, provavelmente, oferecerão a melhor maneira de lidar com uma situação.
O QUE NÓS SOMOS?
Antonio Damasio, um neurocientista da USC escreveu sobre um paciente chamado Elliot, que sofreu um traumatismo em seu lobo frontal que o tornou “desemocional”. Em todos os demais aspectos ele era ok – inteligente, saudável – mas emocionalmente ele era o Spock. Elliot não conseguia tomar decisões. Ele quebrava a cabeça infinitamente sobre os detalhes. Damasio concluiu que, embora pensemos que a tomada de decisões é racional e maquinista, são nossas emoções que nos permitem realmente decidir.
Com os seres humanos sendo um tanto imprevisíveis (bem, até que um algoritmo remova completamente essa ilusão), obtemos o benefício das surpresas, acasos felizes e conexões e intuições inesperadas. A interação, a cooperação e a colaboração com outros multiplica essas oportunidades.
Nós somos uma espécie social – nós nos beneficiamos de transmitir as descobertas, e nós nos beneficiamos com a nossa tendência de cooperar para alcançar o que não podemos estar sozinhos. Em seu livro Sapiens, Yuval Harari afirma que isso é o que nos permitiu ser tão bem-sucedido. Ele também afirma que essa cooperação foi muitas vezes facilitada pela capacidade de acreditar em “ficções”, como nações, dinheiro, religiões e instituições jurídicas. As máquinas não acreditam em ficções – ou ainda não, em todo caso. Isso não quer dizer que eles não nos superarão, mas se as máquinas são projetadas para se interessarem principalmente por elas mesmas, elas podem quebrar um obstáculo. E, entretanto, se menos interação humana nos permitir esquecer como cooperar, perderemos nossa vantagem.
Nossas eventualidades, inesperados e comportamentos singulares são divertidos – eles fazem a vida ser agradável. Eu me pergunto o que nos resta quando há cada vez menos interações humanas. Retire o humano da equação, e somos menos completos como pessoas e como sociedade.
“Nós” não existimos como indivíduos isolados. Nós, como indivíduos, somos habitantes de redes; Nós somos relacionamentos. É assim que prosperamos e florescemos.
David Byrne é músico e artista escocês residente em Nova Iorque; É conhecido no Brasil especialmente por ter liderado por anos a banda Talking Heads. Escreveu vários livros, e o seu mais recente é “How Music Works”. Uma versão desse texto apareceu originalmente em seu site, davidbyrne.com.
Escrito em 15 de agosto de 2017 e publicado eletronicamente no mês seguinte, pelo MIT em Technology Review.
Traduzido por Arnaldo V. Carvalho
Confesso que eu ri.

Foto tirada por mim, Arnaldo V. Carvalho, em 2017. Faixa na entrada do morro Santa Marta, Rio de Janeiro, RJ.
Sem comentários. (Arnaldo)
Antes do sol sair
Em 2014, o celular anterior ainda tirava fotos melhores do que o atual. Esta aqui deve ter uns três anos. Para chegar ao trabalho no RJ uma de minhas alternativas era chegar ao Rio de Janeiro de barca. Próximo a estação, o ponto de ônibus se situava em um mergulhão. Do plano mais baixo, isso é o que se via na madrugada que acompanhava minha ida à labuta.
Em SP, por outro lado, chegava na rodoviária e ainda levava quase meia hora dentro dos subterrâneos paulistas, para o metrô finalmente me deixar na Dr. Arnaldo e me encantar com a beleza da manhã.
#o alvorecer é lindo #alvorecerlindo
Arnaldo, 22 de Jul de 2014
PS: as fotos de SP um dia as tive, pena não encontra-las para compartilhar.
Carinha nova no blog
Amigos, precisei trocar a carinha do blog, depois de tantos anos. Eu gosto mais até da versão antiga, mas ela não funciona bem nos celulares… Sinal dos tempos, e da vida pedindo para a longeva ponte outonal dar lugar ao vale iluminado do verão.
Fica aqui imagenzinha da velha, para quem quiser recordar. (Arnaldo)
PS: todos os conteúdos estão mantidos!
Um ano depois, prisão e exílio.
Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê‑la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso! Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem… se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês… O júri é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto! Fora do tom, sem melodia. Como é júri? Não acertaram? Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por fora. Gil fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver.
Chega!(E canta É proibido Proibir)
Minha mãe ganhou um disco (CD) do Caetano. Eu me lembro. Ficou esquecido ao lado da vitrola, fui eu quem resolveu botar para tocar. Outras Palavras era o nome do álbum. De fato, algumas músicas dali eu ouço muito pouco por aí, não estão entre as mais populares. Eu amo aquela, quando ele fala: “como dois robôs, mas ninguém mais quente que nós, DE QUE NÓS”. Não sei de quando é o disco. Sei que fiquei muito assustado quando dele começaram a sair berros. Um som estranho, uma guitarra intrépida que tentava vencer os gritos. Eram vaias.
Irrompe a voz de Caetano.
Possesso.
Possuído.
Soa o medo, mas soa muito mais a coragem. Quanta força. SABE O QUE ESTÃO PARECENDO? MATAR AMANHÃ O VELHOTE INIMIGO QUE MORREU ONTEM! Não precisei escutar de novo. Nem reler. Ouvi e gravei para sempre essa frase. E também: QUEM TEVE CORAGEM DE ENTRAR E SAIR DAS ESTRUTURAS, FOI GILBERTO GILLLL!!! GILBERTO GIL E FUI EU!!! Eu era jovem, tinha o quê? Vinte anos? Nunca esqueci do arrepio no braço e na coluna, indo até o alto da cabeça, enquanto ouvi aquilo. Estremeci em seguida. Para todo e qualquer amigo que chegava, eu mostrava essa faixa. Não entendia completamente o contexto, mas sua força. Todos se impressionavam.
Não se falava de ditadura na minha casa. Não era proibido, acho que em casa nada era muito proibido. Simplesmente não se falava. Talvez porque fosse passado.
Não existia Internet.
Fiquei com o discurso, e compreendi a crítica à cegueira da juventude, que segue votando errado, segue apostando em causas inúteis. Não é culpa nossa (falo como o “Eu” jovem que escutou o CD pela primeira vez). E não é mesmo.
Merecíamos chegar nessa idade tão potente bem mais preparados para compreender o lugar onde estamos e o que é preciso fazer. (Arnaldo V. Carvalho)
***
Agora tem Internet, tem acesso fácil. Caetano e gravadoras do Caetano, espero que não se importem com essa humilde postagem.