ESTRADA LARGA
O mundo não acaba na paisagem reflectida
No vidro da minha janela. Nem a vida
Morreu toda na noite que choveu sobre os meus olhos.
Os relâmpagos fugazes duma nostalgia antiga,
Pintando a memória dos meus sentidos,
Fazem vibrar-me como se a hora fosse de lembranças
Ou de mágicos desejos incontidos…
Mole e lento, penetrante e agudo,
O nevoeiro é um chicote de mil pontas indistintas,
Mãos de polvo aprisionando tudo,
Tudo esmagando numa confusão de tintas.
Guardo para mim cada coisa encoberta.
Desejá-las é o mesmo que possuí-las.
Possuí-las é ainda tê-las tido,
Embora a esperança do regresso seja incerta.
Quem guia as naus é o leme. E o leme é a vida
Continuada para além da noite que choveu sobre os meus olhos
E para além do nevoeiro mole e lento, penetrante e agudo,
Onde se afoga a paisagem reflectida
No vidro embaciado da janela…
* * *
EM MIM FOI QUE ANOITECEU
Apedrejaram o sol.
Ficou-me a alma dorida
Como se cada pedrada
A mim fosse dirigida.
Roubaram todas as sombras
Aos fantasmas do poente.
Penduraram-nas das árvores
E só eu fiquei doente.
Ai a dor de não saber
Porque isto aconteceu:
Apedrejaram o sol
E em mim foi que anoiteceu!
(Escritos pelo me querido Tio Manel, em 1951, então com 22 anos.)
Saudades do tio que em única visita, muitas fotos e sobretudo pelo contato com tudo aquilo que sua alma frutificou na terra, me fez ama-lo para além do sangue!