Poemas do Tio Manel: Estrada Larga e Em mim foi que anoiteceu

ESTRADA LARGA

O mundo não acaba na paisagem reflectida

No vidro da minha janela. Nem a vida

Morreu toda na noite que choveu sobre os meus olhos.

Os relâmpagos fugazes duma nostalgia antiga,

Pintando a memória dos meus sentidos,

Fazem vibrar-me como se a hora fosse de lembranças

Ou de mágicos desejos incontidos…

Mole e lento, penetrante e agudo,

O nevoeiro é um chicote de mil pontas indistintas,

Mãos de polvo aprisionando tudo,

Tudo esmagando numa confusão de tintas.

Guardo para mim cada coisa encoberta.

Desejá-las é o mesmo que possuí-las.

Possuí-las é ainda tê-las tido,

Embora a esperança do regresso seja incerta.

Quem guia as naus é o leme. E o leme é a vida

Continuada para além da noite que choveu sobre os meus olhos

E para além do nevoeiro mole e lento, penetrante e agudo,

Onde se afoga a paisagem reflectida

No vidro embaciado da janela…

*   *   *

EM MIM FOI QUE ANOITECEU

Apedrejaram o sol.

Ficou-me a alma dorida

Como se cada pedrada

A mim fosse dirigida.

Roubaram todas as sombras

Aos fantasmas do poente.

Penduraram-nas das árvores

E só eu fiquei doente.

Ai a dor de não saber

Porque isto aconteceu:

Apedrejaram o sol

E em mim foi que anoiteceu!

(Escritos pelo me querido Tio Manel, em 1951, então com 22 anos.)

Linda foto deste Tio Poeta, amante da vida, da lucidez  e da natureza.
Saudades do tio que em única visita, muitas fotos e sobretudo pelo contato com tudo aquilo que sua alma frutificou na terra, me fez ama-lo para além do sangue!