Ibn Arabi…

Ó Maravilha,

um jardim por entre as chamas!

Meu coração tornou-se capaz de todas as formas: É um pasto de gazelas, o convento do cristão,

Um templo para os ídolos, a Caaba do peregrino, o rolo da Torá, o texto do Corão.

Sigo a religião do Amor. Para onde quer que avancem as caravanas do Amor, lá é meu credo e mantenho minha fé.

(Ibn Arabi, 1165-1240)

Representação de Ibn Arabi (artista desconhecido: ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ibn_Arabi#/media/Ficheiro:Ibn_Arabi.jpg).

Dos poetas Sufi, Rumi talvez seja o mais conhecido. No entanto, poucos sabem que certamente ele compôs inspirado por uma figura que viu criança e acompanhou na juventude, o nobre Ibn Arabi. Com uma obra extensa obra (atribuem cerca de 800, 100 delas preservadas no original), Ibn Arabi influenciou para além do mundo árabe, embora o ocidente ainda pouco o conheça. Neste pequeno poema de exaltação ao Amor como maior do que os nomes, habita uma de suas mais conhecidas frases, repetida pelos sociólogos Thomas Luckmann e Peter Berger, no tratado sobre a sociologia do conhecimento: “Livrai-nos, Alá, do mar de nomes!”.

É interessante observarmos a similitude da proposta com a de Sai Baba: considerado um avatar contemporâneo, o iluminado indiano indica-se expressão de Deus, adicionando que todos somos – o que falta a absoluta maioria é essa consciência). Pois Ibn Arabi se classificava de modo similar, como ser perfeito, em seu caso, “por herança”. Se a encarnação é um desdobramento essencial, certamente não há iluminados ex nihilo. Tudo tem origem, e o que se torce é que o planeta tenha tempo de conhecer o estado maior de harmonia do Ser Maior (Universo, Cosmos, Deus, Natureza, Todo). Afinal, dizem os Vedas: “Tu és Aquilo; Tudo isto é Aquilo; e Só Aquilo É”. Mais uma vez, Ibn Arabi se mostra em sintonia com o sagrado universal, quando escreve: “É Ele, o revelado em cada rosto, procurado em todos os sinais, contemplado por todos os olhos, adorado em todos os objetos de adoração e perseguido no invisível e no visível. Nenhuma de Suas criaturas sequer pode falhar em encontrá-Lo em sua natureza primordial e original”*. Nesse sentido, o yogue Carlos Henrique Viard Júnior, a quem considero meu irmão espiritual, brincou comigo uma vez anos atrás, quando eu me despedi lhe desejando que “vá com Deus”: “e tem outro jeito?”, me disse rindo.

A certeza que me vem ao coração é só uma: em todas as épocas, em todas as partes surgiram pessoas a compreenderem e divulgarem que o Amor ignora diferenças – de nomes, costumes, raças, credos, línguas, e tudo o que vem da cultura – e nos leva à essência da Unidade. (Arnaldo)

* Tradução livre minha, do inglês.

Saiba mais sobre Ibn Arabi e sua obra:

https://ibnarabisociety.org/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ibn_Arabi

Rumi

Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.

Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.

Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.

Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.

Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.

Vem, se te interessas, posso mostrar-te.

Desde que chegaste ao mundo do ser,
uma escada foi posta diante de ti, para que escapasses.
Primeiro, foste mineral;
depois, te tornaste planta,
e mais tarde, animal.
Como pode isto ser segredo para ti?

Finalmente, foste feito homem,
com conhecimento, razão e fé.
Contempla teu corpo – um punhado de pó –
vê quão perfeito se tornou!

Quando tiveres cumprido tua jornada,
decerto hás de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
e tua estação há de ser o céu.

Não durmas,
senta com teus pares

A escuridão oculta a água da vida.
Não te apresses, vasculha o escuro.
Os viajantes noturnos estão plenos de luz;
não te afastes pois da companhia de teus pares.

Faltam-te pés para viajar?
Viaja dentro de ti mesmo,
e reflete, como a mina de rubis,
os raios de sol para fora de ti.

A viagem conduzirá a teu ser,
transmutará teu pó em ouro puro.

Sofreste em excesso
por tua ignorância,
carregaste teus trapos
para um lado e para outro,
agora fica aqui.

Na verdade, somos uma só alma, tu e eu.
Nos mostramos e nos escondemos tu em mim, eu em ti.
Eis aqui o sentido profundo de minha relação contigo,
Porque não existe, entre tu e eu, nem eu, nem tu.

Oh, dia, levanta! Os átomos dançam,
As almas, loucas de êxtase dançam.
A abóbada celeste, por causa deste Ser, dança,
Ao ouvido te direi aonde a leva sua dança.



Ontem à noite, confidencialmente, eu disse a um velho sábio:
– Não me esconda nada dos segredos do mundo!
Muito docemente, ele me disse ao ouvido:
– Chut! Podemos compreender, mas não exprimir!

Quero fugir a cem léguas da razão,
Quero da presença do bem e do mal me liberar.
Detrás do véu existe tanta beleza: lá está meu ser.
Quero me enamorar de mim mesmo, ó vós que não sabeis!

Eu soube enfim que o amor está ligado a mim.
E eu agarro esta cabeleira de mil tranças.
Embora ontem à noite eu estivesse bêbado da taça,
Hoje, eu sou tal, que a taça se embebeda de mim.

Ele chegou… Chegou aquele que nunca partiu;
Esta água nunca faltou a este riacho
Ele é a substância do almíscar e nós o seu perfume,
Alguma vez se viu o almíscar separado de seu cheiro?

Se busco meu coração, o encontro em teu quintal,
Se busco minha alma, não a vejo a não ser nos cachos de teu cabelo.
Se bebo água, quando estou sedento
Vejo na água o reflexo do teu rosto.

Sou medido, ao medir teu amor.
Sou levado, ao levar teu amor.
Não posso comer de dia nem dormir de noite.
Para ser teu amigo
Tornei-me meu próprio inimigo.

Teu amor me tirou de mim.
De ti, preciso de ti
Noite e dia, eu queimo por ti.
De ti, preciso de ti.

Não posso dormir quando estou contigo
por causa de teu amor.
Não posso dormir quando estou sem ti
por causa de meu pranto e gemidos.
Passo as duas noites acordado
mas, que diferença entre uma e outra!

Não temos nada além do amor.
Não temos antes, princípio nem fim.
A alma grita e geme dentro de nós:
– Louco, é assim o amor.
Colhe-me, colhe-me, colhe-me!



À noite, pedi a um velho sábio
que me contasse todos os segredos do universo.
Ele murmurou lentamente em meu ouvido:
– Isto não se pode dizer, isto se aprende.

A fé da religião do Amor é diferente.
A embriaguez do vinho do Amor é diferente.
Tudo que aprendes na escola é diferente.
Tudo que aprendes do Amor é diferente.

– Vem ao jardim na primavera, disseste.
– Aqui estão todas as belezas, o vinho e a luz.
Que posso fazer com tudo isso sem ti?
E, se estás aqui, para que preciso disso?

Jalaluddin Rumi (1207-1273)