Fanatismos brasileiros e ateísmo político
Arnaldo V. Carvalho*
A escolha pelo domingo, e os telões montados na praia de Copacabana não deixavam dúvidas: os governantes trataram a decisão política do impeachment de Dilma Rousseff como espetáculo. E a parte do povo que abraçou a iniciativa se comportou de acordo. Por volta das onze horas da noite, fui acordado por gritos de baixo calão, tambores, apitos e buzinas acordaram a região onde moro, próxima ao Maracanã. Exatamente como ocorre nos dias de jogo de futebol.
Sem me surpreender, decidi ir aos jornais online. Suas redações emitiam a mesma observação. Mais uma a prova da afirmativa de que, no Brasil (ou ao menos no Rio de Janeiro) , as pessoas tratam política como se fosse futebol. Escolhem seus times e a partir daí passam a defende-los acima da lógica, da coletividade, do Todo. Opina-se e age-se de forma fanática. E o fanático – confirma a psicanálise, o pensamento reichiano e a Medicina Tradicional Chinesa – é movido pelo “pensamento mágico”, uma estrutura arraigada no inconsciente, geradora de angústia crônica, ansiedade generalizada, esperança doentia de que o individuo será salvo por algum evento externo ao mesmo.
Não foi a toa que a palavra mais repetida pelos deputados no circo dos horrores de ontem foi “Deus”.
Fanatismo esportivo, fanatismo religioso, fanatismo político, fanatismos vários… A sensação é de que vivemos uma era de fanatismos em todas as áreas. Porque o fanatismo é um só.
Vota-se por fé e não com fé. Se religiões têm seus dogmas e seus fieis devem segui-los, em nome do mistério da fé que lhes move, o mesmo não deveria ocorrer, jamais, no campo político.
Mas fanáticos tornam-se uma estranha espécie de seguidores cegos dos partidos e seus personagens. Por vezes, alguns são ouvidos como se fossem a fonte única da verdade.
O fanatismo político do Brasil inclina-se a variantes mal resolvidas de direita e esquerda, e tem predileção por adorar imagens: pessoas ou grupos são mitificados, para o bem ou para o mal.
Não é curioso que as populares propagandas políticas especialmente distribuídas em boca de urna (apesar da proibição expressa) sejam denominadas “santinhos“?
Políticos emitem suas imagens, o povo as engole inteiras. Defendem e atacam posições baseadas no que ouviram “por aí”, tornando bares, facebooks, jornais e revistas verdadeiros “templos”. Aquilo que lhes chega é suficiente para a formulação de uma posição. Mas será mesmo possível assumir que suas fontes formulam análises justas, completas e honestas sobre o que vem acontecendo no panorama político econômico e social? É cabível uma participação política assim, tão acrítica da parte do cidadão?
Contra os fanatismos, o Brasil talvez precise é de mais ateus políticos. Pessoas que não acreditem de forma absoluta em nenhum partido e nenhum político, que não acreditem em teorias acerca de direita e esquerda, ao menos no país atual. Precisamos de cidadãos que observem de forma menos iludida os movimentos dos candidatos e eleitos, e os aprovem ou rejeitem com mais consciência. Isso passa por investigar feitos anteriores do político de interesse, suas alianças, seus votos e projetos, suas condutas pessoais mesmo de antes de tornarem-se políticos. Peso menor ou nenhum terão as meras palavras e promessas desses homens. O ateu político não crê em político salvador.
Ateísmo político requer boa memória. Isso porque se rejeitará a imprensa momentânea como fonte absoluta da verdade. Requer ainda uma positiva burocracia de verificação: deve-se buscar sempre que possível a fonte das informações do que se lê, vê e ouve, verificando validade, idoneidade, relevância.
Para o ateu político nenhum candidato é santo ou demônio, apenas pessoas defendendo interesses que podem ou não representa-lo. Ele entende que o apoio plausível, a ação plausível, deve ser a da consciência individual afinada com os interesses de uma complexa coletividade.
Sem dúvida, o ateu político não espera vida após a morte; Pelo contrário, atua para que a coletividade reivindique um Estado mais justo já.
Mas sem devaneios, explosões de raiva ou euforia, pobreza de informação, achismos e mitos. Não há mais espaço para novos fanatismos. Respiremos.
Arnaldo
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* Arnaldo V. Carvalho, terapeuta, professor, pai, cidadão, não se furta à análise do aqui-agora da sociedade onde vive.