Ibn Arabi…

Ó Maravilha,

um jardim por entre as chamas!

Meu coração tornou-se capaz de todas as formas: É um pasto de gazelas, o convento do cristão,

Um templo para os ídolos, a Caaba do peregrino, o rolo da Torá, o texto do Corão.

Sigo a religião do Amor. Para onde quer que avancem as caravanas do Amor, lá é meu credo e mantenho minha fé.

(Ibn Arabi, 1165-1240)

Representação de Ibn Arabi (artista desconhecido: ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ibn_Arabi#/media/Ficheiro:Ibn_Arabi.jpg).

Dos poetas Sufi, Rumi talvez seja o mais conhecido. No entanto, poucos sabem que certamente ele compôs inspirado por uma figura que viu criança e acompanhou na juventude, o nobre Ibn Arabi. Com uma obra extensa obra (atribuem cerca de 800, 100 delas preservadas no original), Ibn Arabi influenciou para além do mundo árabe, embora o ocidente ainda pouco o conheça. Neste pequeno poema de exaltação ao Amor como maior do que os nomes, habita uma de suas mais conhecidas frases, repetida pelos sociólogos Thomas Luckmann e Peter Berger, no tratado sobre a sociologia do conhecimento: “Livrai-nos, Alá, do mar de nomes!”.

É interessante observarmos a similitude da proposta com a de Sai Baba: considerado um avatar contemporâneo, o iluminado indiano indica-se expressão de Deus, adicionando que todos somos – o que falta a absoluta maioria é essa consciência). Pois Ibn Arabi se classificava de modo similar, como ser perfeito, em seu caso, “por herança”. Se a encarnação é um desdobramento essencial, certamente não há iluminados ex nihilo. Tudo tem origem, e o que se torce é que o planeta tenha tempo de conhecer o estado maior de harmonia do Ser Maior (Universo, Cosmos, Deus, Natureza, Todo). Afinal, dizem os Vedas: “Tu és Aquilo; Tudo isto é Aquilo; e Só Aquilo É”. Mais uma vez, Ibn Arabi se mostra em sintonia com o sagrado universal, quando escreve: “É Ele, o revelado em cada rosto, procurado em todos os sinais, contemplado por todos os olhos, adorado em todos os objetos de adoração e perseguido no invisível e no visível. Nenhuma de Suas criaturas sequer pode falhar em encontrá-Lo em sua natureza primordial e original”*. Nesse sentido, o yogue Carlos Henrique Viard Júnior, a quem considero meu irmão espiritual, brincou comigo uma vez anos atrás, quando eu me despedi lhe desejando que “vá com Deus”: “e tem outro jeito?”, me disse rindo.

A certeza que me vem ao coração é só uma: em todas as épocas, em todas as partes surgiram pessoas a compreenderem e divulgarem que o Amor ignora diferenças – de nomes, costumes, raças, credos, línguas, e tudo o que vem da cultura – e nos leva à essência da Unidade. (Arnaldo)

* Tradução livre minha, do inglês.

Saiba mais sobre Ibn Arabi e sua obra:

https://ibnarabisociety.org/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ibn_Arabi

Arnaldo “de Barros”: haicais serelelepípedos

Arnaldo “de Barros”: haicais serelelepípedos

O vento mugiu feliz, ao atravessar o capim fresco.
(Arnaldo V. Carvalho)

*

Em paz, o sol contemplou o pôr-da-humanidade.
(Arnaldo V. Carvalho)

*

A formiga comprou uma cigarra, acendeu e seguiu trabalhando, certa de que o prometido inverno jamais lhe chegaria.
(Arnaldo V. Carvalho)

03/08/2021

Amo Manoel de Barros! E você? Gostou de algum nessa pequena homenagem? Repasse! Tens os seus? Coloque nos comentários!

Abraços, Arnaldo

*

Presente, passado e futuro

Presente, Passado e Futuro

Nessa ordem:

“Quando as rodas do moderno avião tocam o solo tem-se a certeza de que ainda estamos no velho século XX.

O século XXI já nasceu obsoleto.

No século XIX 6 pequenos homens bastavam para se manejar um canhão imenso e pesado. Como era moderna a máquina humana!”

Arnaldo V. Carvalho (no XXI) (?)

Máscaras – Por Favor, Escute o que Eu Não Estou Dizendo (Charles C. Finn)

*** Por favor, prestigie o autor do poema visitando seu site: www.poetrybycharlescfinn.com/ Please, let´s prestige Poet Charles C. Finn. Visit his webpage (adress above) ***
Guardei por anos esse texto, entitulado “Máscaras” e de “autoria desconhecida”. Contudo, o nome do texto é outro, e o autor é americano, vivo, e tem um site muito amável colocado no ar por sua maior fã: sua esposa (o que torna tudo ainda mais belo). Seu nome é Charles C. Finn. Tenho a responsabilidade de creditar os textos aos seus devidos autores, e preservar tanto quanto possível a integridade de seus escritos. Esse é um texto fantástico, que trata de uma realidade interna de cada um de nós, manifestando-se em direção ao Outro. Assim, publico aqui o original em inglês, a versão que mais circula em e-mails pela Internet e minha tradução direta do original. Desfrutem. Arnaldo.
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Minha tradução:
Não seja enganado por mim.
Não seja enganado pela face que visto.

Por eu vestir uma máscara, um milhar de máscaras,

máscaras que eu temo tirar
e nenhuma delas sou eu.
Fingir é uma arte que é uma segunda natureza para mim,
mas não seja enganado,
Pelo Amor de Deus, não se deixe enganar.
I dou a você a impressão de que sou seguro,
de que tudo é ensolarado e sem perturbações comigo, por dentro e por fora,
que confiança é meu nome e sangue frio é meu jogo,
que as águas são calmas e eu estou no comando
e que eu não preciso de ninguém,
mas não creia-me.
Minha superfície pode parecer gentil, mas minha superfície é minha máscara,
sempre mudando e sempre escondendo,
Por baixo, desvela-se a não complacência.
Por baixo desvela-se confusão, e medo, e solidão.
Mas eu escondo isto. Eu não quero que ninguém saiba.
Entro em pânico ao pensar na minha fraqueza exposta.

É por isso que freneticamente eu crio uma máscara para por trás esconder-me

uma fachada sofisticada indiferente

para me ajudar a fingir,

para escudar-me da olhadela que sabe.

Mas uma olhadela dessas é precisamente minha salvação, minha única esperança,
e eu sei disso.
Isto é, se ela é seguida de aceitação
se é seguida de amor.
É a única coisa que pode me libertar de mim mesmo

dos muros da prisão que construí eu mesmo

das barreiras que eu ergui tão dolorosamente.
É a única coisa que vai me assegurar
de que eu não posso me assegurar,
que eu realmente tenha algum valor.
Mas eu não digo isso a você.
Eu não me atrevo, estou com medo.
Estou com medo que sua olhadela não seja seguida de aceitação,
que não vá ser seguida de amor.
Eu tenho medo que você pense menos de mim,
que você ria, e sua risada poderia matar-me.
Estou co medo que bem lá dentro eu não seja nada
e que você vai ver isso e me rejeitar.
Então eu jogo, meu jogo, meu desesperado jogo de fingir,
com uma fachada de segurança por fora
e uma criança a tremer por dentro.
Então começo o desfile brilhante mas vazio de máscaras,
e minha vida se torna um front.

Converso com você sem propósito, nos suaves tons de diálogo superficial.
Eu digo a você tudo que na verdade é nada,
e nada que na verdade é tudo,

o que está a chorar dentro de mim.
Então quando eu for para minha rotina
não seja enganado pelo que estou dizendo.
Por favor, escute atentamente e tente escutar o que eu não estou dizendo,
o que eu gostaria de conseguir dizer,
o que para sobreviver eu preciso dizer,
mas o que eu não posso dizer.
Eu não gosto de esconder.
Eu não gosto de jogar jogos falsos e superficiais.
Eu quero parar de joga-los.
Eu quero ser genuíno, espontâneo e eu mesmo
Mas você tem que me ajudar.
Você tem que estender sua mão
mesmo quando esta é a última coisa que eu pareço querer.

Somente você pode enxugar para longe de meus olhos
o olhar fixo e vazio de morto-vivo.
Somente você pode invocar minha vivacidade
Cada vez que você é doce, sutil e encorajador,
cada vez que você tenta entender porque você realmente se importa,
meu coração começa a desenvolver asas —
asas bem pequenas,
asas bem débeis,

mas asas!

Com seu poder de me tocar os sentimentos

você pode soprar vida em mim.
Eu quero que você saiba disso.
Quero que você saiba o quão é importante para im,
O quão você pode ser um criador – um honesto criador de Deus –
dessa pessoa que sou eu.
se você escolher faze-lo.
Você pode, você mesmo, quebrar o muro sob o qual eu tremo,
Você pode, você mesmo, remover minha máscara,
Você pode, você mesmo, me libertar de meu mundo sombrio de pânico,
de minha prisão solitária,
se você escolher faze-lo.
Por favor, escolha faze-lo.

Não passe por mim.
Não será fácil para você.
Um a longa convicção de menos-valia constrói muros fortes.
Quanto mais perto você se aproximar de mim
o escurecedor eu posso contra atacar.
É irracional, mas a despeito do que os livros dizem sobre o homem
frequentemente eu sou irracional.
Eu luto contra cada coisa que eu choro perder.
Mas me disseram que o amor é mais forte que muros fortes
e nisto reside minha esperança.

Por favor tente vencer essas muralhas
com mãos firmes porém gentis
para uma criança que está bastante sensível.

Quem eu sou, você pode vislumbrar?
Eu sou alguém que você conhece muito bem.
Por eu ser cada homem que você encontra
e ser cada mulher que você encontra.

Charles C. Finn, Setembro de 1966
Charles C. Finn (+- 1946-*) **
Tradução de Arnaldo V. Carvalho
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O Original:
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Please Hear What I’m Not Saying

Jester mask Don’t be fooled by me.
Don’t be fooled by the face I wear
For I wear a mask, a thousand masks,
Masks that I’m afraid to take off
And none of them is me.

Pretending is an art that’s second nature with me,
but don’t be fooled,
for God’s sake don’t be fooled.
I give you the impression that I’m secure,
that all is sunny and unruffled with me,
within as well as without,
that confidence is my name and coolness my game,
that the water’s calm and I’m in command
and that I need no one,
but don’t believe me.

My surface may be smooth but
my surface is my mask,
ever-varying and ever-concealing.
Beneath lies no complacence.
Beneath lies confusion, and fear, and aloneness.
But I hide this. I don’t want anybody to know it.
I panic at the thought of my weakness exposed.
That’s why I frantically create a mask to hide behind,
a nonchalant sophisticated facade,
to help me pretend,
to shield me from the glance that knows.

But such a glance is precisely my salvation,
my only hope, and I know it.
That is, if it is followed by acceptance,
If it is followed by love.
It’s the only thing that can liberate me from myself
from my own self-built prison walls
from the barriers that I so painstakingly erect.
It’s the only thing that will assure me
of what I can’t assure myself,
that I’m really worth something.
But I don’t tell you this. I don’t dare to. I’m afraid to.

mask I’m afraid you’ll think less of me,
that you’ll laugh, and your laugh would kill me.
I’m afraid that deep-down I’m nothing
and that you will see this and reject me.

So I play my game, my desperate, pretending game
With a façade of assurance without
And a trembling child within.
So begins the glittering but empty parade of Masks,
And my life becomes a front.
I tell you everything that’s really nothing,
and nothing of what’s everything,
of what’s crying within me.
So when I’m going through my routine
do not be fooled by what I’m saying.
Please listen carefully and try to hear what I’m not saying,
what I’d like to be able to say,
what for survival I need to say,
but what I can’t say.

I don’t like hiding.
I don’t like playing superficial phony games.
I want to stop playing them.
I want to be genuine and spontaneous and me
but you’ve got to help me.
You’ve got to hold out your hand
even when that’s the last thing I seem to want.
Only you can wipe away from my eyes
the blank stare of the breathing dead.
Only you can call me into aliveness.
Each time you’re kind, and gentle, and encouraging,
each time you try to understand because you really care,
my heart begins to grow wings —
very small wings,
but wings!

With your power to touch me into feeling
you can breathe life into me.
I want you to know that.
I want you to know how important you are to me,
how you can be a creator–an honest-to-God creator —
of the person that is me
if you choose to.
You alone can break down the wall behind which I tremble,
you alone can remove my mask,
you alone can release me from the shadow-world of panic,
from my lonely prison,
if you choose to.
Please choose to.

Do not pass me by.
It will not be easy for you.
A long conviction of worthlessness builds strong walls.
The nearer you approach me
the blinder I may strike back.
It’s irrational, but despite what the books may say about man
often I am irrational.
I fight against the very thing I cry out for.
But I am told that love is stronger than strong walls
and in this lies my hope.
gold mask Please try to beat down those walls
with firm hands but with gentle hands
for a child is very sensitive.

Who am I, you may wonder?
I am someone you know very well.
For I am every man you meet
and I am every woman you meet.

By Charles C. Finn (+- 1946-*) **

O texto que circula na Internet

Máscaras

“Não deixe se enganar por mim. Não se engane com as máscaras que uso, pois eu uso máscaras que eu tenho medo de tirar, e nenhuma delas sou eu.
Fingir é uma arte que se tornou uma segunda natureza para mim, mas não se engane.

Eu dou a impressão de que sou seguro, de que tudo está bem e em paz comigo, que meu nome é confiança e tranqüilidade;
é meu tema que as águas do mar são calmas e eu que estou no comando sem precisar de ninguém.
Mas não acredite, por favor.

Minha aparência é tranqüila, mas é apenas uma aparência, é uma máscara superficial, mas é a que sempre varia e esconde.
Por baixo não há tranqüilidade, complacência ou calma.
Por baixo, está meu mal em confusão, medo e abandono.
Mas eu oculto tudo isso, pois eu não quero que ninguém veja.

Fico em pânico ante a possibilidade de que minha fraqueza fique exposta,
e é por isso que eu crio máscaras atrás das quais eu me escondo com a fachada de quem não se deixa tocar,
para me ocultar do olhar que sabe.
Mas esse olhar é justamente minha salvação. Eu eu sei disto.
É a única coisa que pode me libertar de mim mesmo, dos muros da prisão que eu mesmo levantei,
das barreiras que eu mesmo tão dolorosamente construo.

Mas eu não digo muito disso à você. Não sorria, tenho medo.
Tenho medo que seu olhar não seja de amor e atenção.
Tenho medo que você me menospreze, que ria de mim, me ferindo.
Tenho medo de que lá dentro do interior de mim mesmo, eu não valha nada e que você acabe vendo e me rejeitando.

Então eu continuo a viver meus jogos, meus jogos de fingimento, com a fachada de segurança de fora e sendo uma criança tremendo por dentro.
Com um desfile de máscaras, todas vazias, minha vida se tornou um campo de batalha.
Eu converso com você uma conversa infantil e superficial.
Digo à você tudo que não tem a menor importância e calo o que arde dentro de mim.
De forma que, não se deixe enganar por mim.
Mas por favor, escute e tente ouvir o que eu não estou dizendo e que eu gostaria de dizer.

Eu não gosto de me esconder, honestamente eu não gosto.
Eu tão pouco gosto de jogos tolos e superficiais que faço.
Eu gostaria mesmo era de ser genuíno, espontâneo, eu mesmo, e você tem que me ajudar, segurando a minha mão,
mesmo que quando esta for a última coisa que eu aparentemente necessitar.

Cada vez que você me ajuda, um par de asas nasce no meu coração.
Asas pequenas e frágeis, mas asas.
Com sua sensibilidade, afeto e compreensão, eu me torno capaz.
Você me transmite vida. Não vai ser fácil para você.
A idéia de que eu não valho nada vem de muito tempo e criou muros fortes.
Mas o amor é mais forte que os muros, e aí está a minha esperança.

Por favor ajude-me a destruir esses muros, com mãos fortes, mas gentis,
pois uma criança é muito sensível e eu sou uma criança.

E agora você poderia se perguntr quem sou eu? Eu sou uma pessoa que você conhece muito bem. Porque eu sou todo homem,toda mulher, toda criança… todo o ser humano que você encontra!”

*   *   *

** A idade de Charles C. Finn é um mistério entre seus fãs. A família, embora possua um site muito carinhoso onde se encontra o poema original e outros textos do mesmo autor, não revela em momento nenhum a idade do autor. Como sabemos que Finn publicou seu texto em 1966 no início de sua carreira como professor, podemos calcular que ele tinha seus vinte e poucos anos.

Referências / Para saber mais

http://www.poetrybycharlescfinn.com/pleasehear.html

http://www.jwjonline.net/poems/poem/mask/

http://www.reflexos-da-alma.com/mascaras.html

http://thinkexist.com/quotes/charles_c._finn/

http://www.bookfinder.com/author/charles-c-finn/

 

*** Por favor, prestigie o autor do poema visitando seu site: www.poetrybycharlescfinn.com/ Please, let´s prestige Poet Charles C. Finn. Visit his webpage (adress above) ***

Minha aparência é tranqüila, mas é apenas uma aparência, é uma máscara superficial, mas é a que sempre varia e esconde.
Por baixo não há tranqüilidade, complacência ou calma.
Por baixo, está meu mal em confusão, medo e abandono.
Mas eu oculto tudo isso, pois eu não quero que ninguém veja.

Fico em pânico ante a possibilidade de que minha fraqueza fique exposta,
e é por isso que eu crio máscaras atrás das quais eu me escondo com a fachada de quem não se deixa tocar,
para me ocultar do olhar que sabe.
Mas esse olhar é justamente minha salvação. Eu eu sei disto.
É a única coisa que pode me libertar de mim mesmo, dos muros da prisão que eu mesmo levantei,
das barreiras que eu mesmo tão dolorosamente construo.

““Eu vi a tarde correndo atrás de um cachorro”. Pequena seleta poética de Manoel de Barros

“Em poesia a razão é acessório”

Nascido em Cuiabá em 19 de dezembro de 1916, Manoel de Barros  é considerado um dos maiores poetas vivos do país. Recebeu os mais importantes prêmios literários brasileiros, entre eles dois Jabutis, dois Nestlé, um prêmio da ABL e ainda um da Biblioteca Nacional.

Posto aqui pequena seleta poética de sua obra. Para mim, ele é eloqüente a moda brasileira, brinda a natureza com um mix de autenticidade a Guimarães Rosa e simplicidade dos Haicais japoneses. Pitadas quintanescas e tio manoelinas… Desfrutem a vontade.

http://carmezim.files.wordpress.com/2009/06/manoel-de-barros2.jpg“O que eu gostaria de fazer é um livro sobre nada. Foi o que escreveu Flaubert a uma sua amiga em 1852. Li nas Cartas exemplares, organizadas por Duda Machado. Ali se vê que o nada de Flaubert não seria o nada existencial, o nada metafísico. Ele queria o livro que não tem quase tema e se sustente só pelo estilo. Mas o nada de meu livro é nada mesmo. É coisa nenhuma por escrito: um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo, etc, etc. O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desúteis. O nada mesmo. Tudo que use o abandono por dentro e por fora”.

ESSA FUSÃO COM A

natureza tirava minha
liberdade de pensar.
Eu queria que as
garças me sonhassem.
Eu queria que as
palavras me
gorjeassem. Então
comecei a fazer
desenhos verbais de
imagens. Me dei bem.
Perdoem-me os
leitores desta entrada
mas vou copiar de
mim quatro desenhos
verbais que fiz para
este livro. Acho-os
como os “impossíveis
verossímeis” do nosso
mestre Aristóteles.
Dou quatro exemplos:
1) É nos loucos que
grassam luarais; 2) Eu
queria crescer pra
passarinho; 3) Sapo é
um pedaço de chão
que pula; 4) Poesia é
a infância da língua.
Sei que os meus
desenhos verbais
nada significam.
Nada. Mas se o nada
desaparecer a poesia
acaba. Eu sei. Sobre o
nada eu tenho
profundidades.

Trecho da apresentação de Manoel de Barros para sua “Poesia completa”

EU QUERIA FAZER PARTE DAS ÁRVORES COMO OS
pássaros fazem.
Eu queria fazer parte do orvalho como as
pedras fazem.
Eu só não queria significar.
Porque significar limita a imaginação.
E com pouca imaginação eu não poderia
fazer parte de uma árvore.
Como os pássaros fazem.
Então a razão me falou: o homem não
pode fazer parte do orvalho como as pedras
fazem.
Porque o homem não se transfigura senão
pelas palavras.
E isso era mesmo.

Poema de “Menino do mato”, de Manoel de Barros

NA­DAS

“Sei que os meus de­se­nhos ver­bais na­da sig­ni­fi­cam. Na­da. Mas se o na­da de­sa­pa­re­cer a poe­sia aca­ba. Eu sei. So­bre o na­da eu te­nho pro­fun­di­da­des. Des­co­bri aos 13 anos que o que me da­va pra­zer nas lei­tu­ras não era a be­le­za das fra­ses, mas a doen­ça de­las. Co­mu­ni­quei ao Pa­dre Eze­quiel, um meu pre­cep­tor, es­se gos­to es­qui­si­to. (…) Ele fez um lim­pa­men­to em meus re­ceios. Ma­noel, is­so não é doen­ça, po­de mui­to que vo­cê car­re­gue pa­ra o res­to da vi­da um cer­to gos­to por na­das… E se riu. Vo­cê não é de bu­gre? – ele con­ti­nuou. Que sim, eu res­pon­di. Ve­ja que bu­gre só pe­ga por des­vios, não an­da em es­tra­das – Pois é nos des­vios que en­con­tra as me­lho­res sur­pre­sas e os ar­ti­cuns ma­du­ros. Há que ape­nas sa­ber er­rar bem o seu idio­ma. Es­se Pa­dre Eze­quiel foi o meu pri­mei­ro pro­fes­sor de gra­má­ti­ca.”

SA­BE­DO­RIA

“Pa­ra apal­par as in­ti­mi­da­des do mun­do é pre­ci­so sa­ber: a) Que o es­plen­dor da ma­nhã não se abre com fa­ca; b) O mo­do co­mo as vio­le­tas pre­pa­ram o dia pa­ra mor­rer; c) Por que é que as bor­bo­le­tas de tar­jas ver­me­lhas têm de­vo­ção por tú­mu­los; d) Se o ho­mem que to­ca de tar­de sua exis­tên­cia num fa­go­te tem sal­va­ção; e) Que um rio que flui en­tre 2 ja­cin­tos car­re­ga mais ter­nu­ra que um rio que flui en­tre 2 la­gar­tos; f) Co­mo pe­gar na voz de um pei­xe; g) Qual o la­do da noi­te que ume­de­ce pri­mei­ro. Etc. Etc. Etc.”

POE­SIA

“No Tra­ta­do das Gran­de­zas do Ín­fi­mo es­ta­va es­cri­to: Poe­sia é quan­do a tar­de es­tá com­pe­ten­te pa­ra dá­lias. É quan­do ao la­do de um par­dal o dia dor­me an­tes. Quan­do o ho­mem faz sua pri­mei­ra la­gar­ti­xa. É quan­do um tre­vo as­su­me a noi­te. E um sa­po en­go­le as au­ro­ras.”

PRIN­CÍ­PIO

“No des­co­me­ço era o ver­bo. Só de­pois é que veio o de­lí­rio do ver­bo. O de­lí­rio do ver­bo es­ta­va no co­me­ço, lá on­de a crian­ça diz: Eu es­cu­to a voz dos pas­sa­ri­nhos.”

CON­JEC­TU­RAS

“As coi­sas que não têm no­me são mais pro­nun­cia­das por crian­ças.”

“A gen­te é ras­cu­nho de pás­sa­ro. Não aca­ba­ram de fa­zer…”

ÁGUAS

“Es­cu­to o meu rio: é uma co­bra de água an­dan­do por den­tro de meu olho.”

“Mi­nha bo­ca es­ta­va se­ca igual do que uma pe­dra em ci­ma do rio.”

“Um gran­de rio de poe­sia atra­ves­sa-me, do­ce…”

“A he­ra ves­te meus prin­cí­pios e meus ócu­los. Só sei por ema­na­ções por ade­rên­cia por in­crus­ta­ções. O que sou de pa­re­de os ca­ra­mu­jos sa­gram. A uma pe­dra­da de mim é o lim­bo. Nos mon­tu­ros do poe­ma os uru­bus me far­reiam. Es­tre­la é que é meu pe­na­cho! Sou fu­ga pa­ra flau­ta e pe­dra do­ce. A poe­sia me des­bra­va. Com águas me ali­nha­vo.”

“A água é ma­du­ra. Com pe­nas de gar­ça. Na areia tem raiz de pei­xes e de ár­vo­res. Meu cór­re­go é de so­frer pe­dras, mas quem bei­jar seu cor­po é bri­sas…”

“No chão da água lua­va um pás­sa­ro por so­bre es­pu­mas de ha­ver es­tre­las. A água es­cor­ria por en­tre as pe­dras um chão sa­ben­do a aro­ma de ni­nhos. (…) Ár­vo­res com o ros­to ar­reia­do de seus fru­tos ain­da chei­ra­vam a ve­rão. Du­ran­te bor­bo­le­tas com abril es­se cór­re­go es­cor­reu só pás­sa­ros…”

CON­VER­SA

“Vo­cê brin­cou de mim que uma bor­bo­le­ta no meu de­do ti­nha sol? Vo­cê ia pe­gar ago­ra o que fu­giu de meu ros­to ago­ra? Na bei­ra da pe­dra aque­le car­deal, vo­cê viu? Fez um lin­do ni­nho es­con­di­do bem pa­ra a gen­te não ir apa­nhar seus fi­lho­tes, que bom. Ó meu car­deal, vo­cê não é um su­jei­to bro­coió à toa! Vo­cê é um pas­sa­ri­nho atra­ves­sa­do…”

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A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como
sou – eu não aceito.
Não agüento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora,
que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.

* * *

“Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro –
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.
Podia dar ao canto formato de sol.
E, se quisesse caber em uma abelha, era
só abrir a palavra abelha e entrar dentro
dela.
Como se fosse infância da língua”.

BARROS, Manoel de. Poemas rupestres. Rio de Janeiro: Record, 2004.

http://2.bp.blogspot.com/_3Ojximob-0A/SDDJ90rkV3I/AAAAAAAACK0/7uPWwHJY0QA/s400/manoel%2Bde%2Bbarros%2B(desenho).jpg

Pedra e Limo – do poeta Rodrigo de Carvalho

Pedra e Limo

Dobro meu corpo em flecha

e provo o horizonte à frente,

sonho com a primavera a desabrochar

e imagino você diferente,

silenciosamente respirando lágrimas,

porejando sangue, evaporando ar.

Haver estado no ocaso

tanto tempo, tanto faz

para meu sonho maravilhosos,

que diferença traz?

Eu pedra, você limo,

amantes passivos do destino

em mudo beijo

onírico do Além-Tejo.

Rodrigo de Carvalho (do livro  Lua de Maio)