A falsa normalidade e o apogeu da alienação

O incêndio que mais me preocupa é da política ambiental e das ...

“(…) José Saramago falava dessa cegueira coletiva. As novas ditaduras já não precisam de ditadores. Usam-nos, depois de nos roubar a visão crítica do mundo. Ainda agora há apelos para voltar à normalidade (sair do isolamento social). A economia deve continuar, dizem. Mas que normalidade e que economia estamos a falar? Num país como Moçambique a aplicação cega das soluções implementadas em outros países seria um desastre social e humanitário de proporções gigantescas. A maior parte da nossa sociedade sobrevive na esfera da economia informal. Essa economia continua a ser invisível aos olhos dos governantes, ainda que ela ocupe a maioria da população”.

(Mia Couto, 1955-)

Um ato que nega os demais

“A poesia não é uma crença. Nem uma lógica. A poesia é um ato. Um ato que nega todos os atos. Ai se dá no instante em que a sombra do sonho parece a sombra do poema”.

Takiguchi Shuzô, artista japonês. 1903-1979

Pontualidade e amor

Cresci criado por uma mãe maravilhosa, mas por razões que só cabem a ela, nunca conseguiu chegar na hora. Por anos de minha juventude, cheguei a me pensar ser como ela, repetindo a situação… Mesmo no campo profissional, a total falta de amadurecimento para com o fenômeno do tempo fez muitos de meus clientes esperarem mais do que deviam. Até que me relacionei com uma pessoa que era pior do que eu, e a quem esperava quase sempre em diversos encontros. Foi preciso viver o “outro lado” para entender que aquilo não era bom. Aprendi. Não sou um “british man” permanente, mas dificilmente atraso, e quando o faço quase sempre é por pouquíssimo tempo. Entendi que isso era parte do valorizar o outro. Deixo vocês com uma frase indiana, lembrada em um curso por minha doce amiga e mestra Laura Uplinger. Saudades de você Laura!

“Pontualidade é o primeiro grau de Amor”.

(Sabedoria Indiana)

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De passagem por Guaíba (Impressões Gaúchas 1)

De passagem por Guaíba

Arnaldo V. Carvalho

Sim, eu fui mais uma vez ao Sul. Dessa vez, decidi compartilhar com quem não é de lá um pouco do que vi e vivi, de palavrinhas curiosas a imagens que dizem por si.

Chegar em Porto Alegre é uma alegria para mim, com exceção da fumaça de cigarro, que teima em me perseguir quando chegam, de modo que fica até parecendo que o povo de lá fuma mais que o daqui (acho que dei foi azar).

Fora isso, sou recebido sempre com cordialidade, e me alegra perceber que por lá o movimento é intenso, mas com uma dose de tranquilidade que já não vejo há muito nas capitais do sudeste.

Mas meu destino final não era a capital, mas a pequena vizinha Guaíba, e ao dia seguinte, Santa Maria onde daria curso.

O aeroporto de Porto Alegre é relativamente bem integrado com os demais sistemas de transporte da cidade, de modo que basta pegar um trem para se deslocar fácil de lá aos outros locais principais da cidade, incluindo a rodoviária, para onde fui comprar minha passagem para Santa Maria. Lá, me aguardava minha mana Cristina. É daquelas pessoas que não importa que anos passem, nada se modifica no reencontro.

Juntos, caminhamos da rodô a estação hidroviária, onde se pega um catamarã até Guaíba. De um lugar a outro, cruzamos o centro, coração da cidade. E nessa pequena caminhada começamos o tour fotográfico que aqui segue. Fiz questão de fotografar a criatividade do cabelereiro que batizou seu salão de “Mãos de Tesoura” e o grande chip de celular do grêmio (os amigos colorados brigaram comigo por causa dessa foto). Lá no fundinho da foto tem uma menina que trabalhava na mesma campanha, fazendo embaixadinhas mil. Super fera. Não resisti a perguntar: “mas então você torce mesmo pro grêmio?”, e a surpresa: “não, sou Inter mas fazer o que né”. Ponto pros vermelhinhos.

Esse caminho, que basicamente é uma rua comprida, é mesmo curioso. De cinema pornô daqueles bem das antigas, passando por comércio popular, feira livre de primeira, construções antigas do século passado e modernosos prédios, tudo convivendo com uma harmonia própria. Chegamos à hidroviária.

É uma estação muito pequenina comparada a do trajeto Rio-Niterói, que tenho tanto costume de fazer. E a lancha é pequenina. Mas tudo é muito organizado, limpo, confortável. E tem Internet!

Imaginei-me um guaibense a atravessar todos os dias para o trabalho. Voltar para casa em um por-do-sol sobre o belo e caudaloso rio guaíba. Nada mal.
Que delícia de lugar, um sossego, do lado de uma imensa cidade grande.

Não fossem os panfletos chamando as pessoas para conhecer as atrações históricas, talvez se pensasse que a cidade seria mesmo apenas para se descansar e viver em paz. Não que não seja. Mas Guaíba foi o palco da trama que deu origem a Revolução Farroupilha, e isso muda as coisas.

Visitar o imenso e secular cipreste sob o qual os revolucionários teciam seus planos, bem de frente para a casa de Gomes Jardim, é obrigatório.
A rua de Cristina não fica muito longe do outro lado. E lá fui aprendendo sobre algo que adoro: comidas típicas.

Na padaria não se vende geleia, mas chimia (que depois descobri ser uma adaptação da palavra geleia em alemão). Requeijão é coisa sem graça: O negócio é colocar nata (creme de leite fresco) no pão com a chimia. Cada um tem sua preferência do doce: goiaba, figo, uva, e vários outros.

Outra coisa que vai bem no lanchinho é a vovó sentada, biscoitinho em formato de “L”, e ainda o pãozinho . Na vendinha da esquina se compra tudo isso com facilidade, além de algumas frutas, como a banana caturra, a nossa banana d’água.

O silêncio, os passarinhos curiosos, a mais pura paz. Guaíba e seu calçadão de frente ao belo rio onde os jovens namoram, sua praça em frente a igreja onde os velhos jogam (quando muito), seus bairros cheios de verdes e quintais parados no tempo.

Com tanta riqueza simples, a cidade ainda me agraciou com uma última história que me impressionou tanto que me fez mudar muito da minha maneira de pensar. É que lá conheci uma senhora que teve muitos filhos, e quando eles eram crianças, vivia numa grande casa no centro de um grande lote. A aconchegante casa de madeira viu os filhos crescerem e envelheceu com eles. A medida que iam casando e tendo suas vidas, a velha senhora, hoje viúva, nunca teve dúvidas: foi encolhendo a casa, desmontando um cômodo após o outro. Hoje, há filhos que moram pertinho, outros longe. E a casa que antes reunia a todos agora cabe inteirinha na antiga cozinha. “pra que mais, para ter trabalho?” dizia ela… E o quintal que era enorme ficou ainda maior, para ela seguir fazendo o que mais gosta: cuidar das plantas, essas filhas que nunca se vão.

É ou não é um verdadeiro sonho de desconsumo?

Gratidão Guaíba. Cuide sempre muito bem de seus filhos. Estarei de volta em breve.

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Conselhos de Mr. Ehrmann

Não costumo gostar de textos onde o autor “diz como se deve fazer” – a frustrante fórmula típica da autoajuda. Mas nesse pequeno trecho de sua Desiderata, Max Ehrmann deseja o que é mais difícil de se ler alguém desejar, e pondera com tal bom senso sobre valores a serem cultivados, que achei que valia a pena compartilhar. (Arnaldo)

 

“Siga placidamente por entre o ruído e a pressa elembre-se da paz que pode haver no silêncio. Tanto quanto possível, sem sacrificar seus princípios,conviva bem com todas as pessoas. Diga sua verdade serena e claramente e ouça os outros, mesmo os estúpidos e ignorantes, pois eles também têm sua história. Evite as pessoas vulgares e agressivas, elas atentam contra o espírito. Se você se comparar com os outros, pode se tornar vaidoso ou amargo, porque sempre existirão pessoas piores ou melhores que você. Usufrua suas conquistas, assim como seus planos. Mantenha o interesse pela sua profissão, por mais humilde que seja. Ela é um bem verdadeiro na sorte inconstante dos tempos. Tenha cautela em seus negócios, pois o mundo está cheio de traições. Mas não deixe isso cegá-lo para a virtude que existe. Muitos lutam por ideais nobres e por toda a parte a vida está cheia de heroísmo. Seja você mesmo. Sobretudo, não finja afeições. Não seja cínico sobre o amor, porque,apesar de toda aridez e desencanto, ele é tão perene quanto a relva. Aceite com brandura a lição dos anos, abrindo mão de bom grado das coisas da juventude. Alimente a força do espírito para ter proteção em um súbito infortúnio. Mas não se torture com fantasias. Muitos medos nascem da solidão e do cansaço. Adote uma disciplina sadia, mas não seja exigente demais. Seja gentil com você mesmo. Você é filho do Universo, assim como as árvores e as estrelas: você tem o direito de estar aqui. E mesmo que não lhe pareça claro, o Universo, com certeza, está evoluindo como deveria. Portanto, esteja em paz com Deus, não importa como você O conceba. E, quaisquer que sejam suas lutas e aspirações no ruidoso tumulto da vida, mantenha a paz em sua alma. Apesar de todas as falsidades, maldades e sonhos desfeitos, este ainda é um belo mundo. Alegre-se. Lute pela sua felicidade”.

Max Ehrmann (1872–1945), poeta norte-americano

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“‘Eu’ – dizes; e ufanas-te desta palavra. Mas ainda maior – no que não queres acreditar – é o teu corpo e a sua grande razão: esta não diz eu, mas faz o eu”.

(De Assim falou Zaratustra, Nietzche)