No bota-fora de meu passado, encontrei restos de uma velha agenda, com talvez quase vinte anos, onde em certo dia escrevi:
“Difícil não é saber e poder curtir junto. Difícil é saber sofrer junto”.
Ignorante de Vinícius, ignorante da misteriosa natureza do amor, era eu mais um tolo Homo toscus pintando com barro paredes que denunciavam descobertas acerca da Vida. Foi preciso sofrer e ser feliz, junto e separado, quantas vezes fosse necessário, para, sem o Poetinha de grilo falante, para aprender um pouco do que já estava escrito, antes mesmo de meu nascimento. Vivido então… Desde que o mundo é mundo. Desde que Vinícius foi Vinícius. Desde que o mundo é Vinícius.
De tudo aqui, arrisco dizer que Reich só não concordará que “o amor só é bom se doer”. Nem eu!
Vai, vai, vai, vai amar! Vai, vai, vai, vai sofrer! Vai, vai, vai, vai chorar! Vai, vai, vai, vai dizer!
Vai, vai, vai, vai VIVER!
e VIVA VINÍCIUS!
O homem que diz “dou” não dá
Porque quem dá mesmo não diz
O homem que diz “vou” não vai
Porque quando foi já não quis
O homem que diz “sou” não é
Porque quem é mesmo é “não sou”
O homem que diz “estou” não está
Porque ninguém está quando quer
Coitado do homem que cai
No canto de Ossanha, traidor
Coitado do homem que vai
Atrás de mandinga de amor
Vai, vai, vai, vai, não vou
Vai, vai, vai, vai, não vou
Vai, vai, vai, vai, não vou
Vai, vai, vai, vai, não vou
Que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor que passou
Não, eu só vou se for pra ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor
Amigo sinhô
Saravá
Xangô me mandou lhe dizer
Se é canto de Ossanha, não vá
Que muito vai se arrepender
Pergunte pro seu Orixá
Amor só é bom se doer
Vai, vai, vai, vai amar
Vai, vai, vai, vai sofrer
Vai, vai, vai, vai chorar
Vai, vai, vai, vai dizer
Que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor que passou
Não, eu só vou se for pra ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor
Quem já passou
Por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá
Pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou
Pra quem sofreu, ai
Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não
Não há mal pior
Do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir?
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração
Esse não vai ter perdão
* * *
Para quem tem cuidado e não se deixaria levar pela idéia ingênua de que a vida só acontece no sofrimento, e que o amor conclama a tristeza a co-existência eterna, esse poema de Vinícius é abençoado.