Flor sem infância… e minha mãe poeta

Passada a minha avó poeta para a Casa das Estrelas a beber do néctar da Via Láctea todas as manhãs, passada a dor da incompreensão e restabelecida a grandeza da impermanência, vejo respirar novamente a minha mãe. Minha mãe que por 20 anos foi filha dedicada, maravilhosa, e exaurida pelos cuidados necessários (e que ninguém poderia sequer aproximar-se de fazer melhor) com seus pais até o último suspiro de cada um. Minha mãe que guardou espaço às suas próprias poesias preferidas e próprias, para em momento algum ofuscar o brilho das recitagens românticas, terríveis, cômicas e religiosas de minha avó, sempre brilhante, a cantar-nos poemas as margens de sua mesa da sala de jantar transformada em rio cristalino em meio a árvores e pássaros ou na sua poltrona preferida, seu ninho a holografar no ambiente a paisagem rústica dos ares da velha Nova Friburgo. Guardou espaço, guardou, guardou… E hoje, como desemperrasse janela lacrada pelo tempo, soltou-me esta quase ao pé do ouvido:

“Sempre-viva… Sempre-morta…
Pobre flor que não teve infância!
E que a gente, às vezes, pensativo encontra
Nos baús das avozinhas mortas…
Uma esperança que um dia eu tive,
Flor sem perfume, bem assim que foi:
Sempre morta…Sempre viva…
No meio da vida caiu e ficou!”
Mário Quintana
E em comentário típicamente Gildístico, complementou animada, com toda a grandeza e humildade que lhe é de essência, olhos a brilhar:
– Não é uma gracinha ele?
É, mãe, é lindo. Como você e minha avó.
Arnaldo V. Carvalho