Orixá Reichiano!

De tudo aqui, arrisco dizer que Reich só não concordará que “o amor só é bom se doer”. Nem eu!

Vai, vai, vai, vai amar! Vai, vai, vai, vai  sofrer! Vai, vai, vai, vai chorar! Vai, vai, vai, vai dizer!

Vai, vai, vai, vai VIVER!

e VIVA VINÍCIUS!


O homem que diz “dou” não dá
Porque quem dá mesmo não diz
O homem que diz  “vou” não vai
Porque quando foi já não quis
O homem que diz “sou” não  é
Porque quem é mesmo é “não sou”
O homem que diz “estou” não  está
Porque ninguém está quando quer
Coitado do homem que cai
No canto  de Ossanha, traidor
Coitado do homem que vai
Atrás de mandinga de  amor

Vai, vai, vai, vai, não vou
Vai, vai, vai, vai, não vou
Vai,  vai, vai, vai, não vou
Vai, vai, vai, vai, não vou
Que eu não sou ninguém  de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor que passou
Não, eu  só vou se for pra ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo  amor

Amigo sinhô
Saravá
Xangô me mandou lhe dizer
Se é canto de  Ossanha, não vá
Que muito vai se arrepender
Pergunte pro seu Orixá
Amor  só é bom se doer

Vai, vai, vai, vai amar
Vai, vai, vai, vai  sofrer
Vai, vai, vai, vai chorar
Vai, vai, vai, vai dizer
Que eu não  sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor que  passou
Não, eu só vou se for pra ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de  um novo amor

Link:  http://www.vagalume.com.br/toquinho-e-vinicius/canto-de-ossanha.html#ixzz2FoOBHDPI

Protegido: A Revolução do Amor

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O último vôo da Fragata

O último vôo da Fragata

Como o descaso das autoridades torna a situação da fauna carioca uma tragédia biológica

A situação dos zoológicos e centros dedicados ao estudo e preservação da fauna e da flora do Rio de Janeiro nos mostra o quanto o amor a vida e a natureza afasta-se mais e mais das pessoas, que consideram “progresso” a construção interminável de prédios em meio a selva de concreto, cuja sustentabilidade por sua vez é baseada em destruição do meio ambiente através da exploração de suas riquezas. Logo a Cidade Maravilhosa, dona da maior floresta urbana do planeta, capital de um estado cercado de mata atlântica sobrevivente e uma costa exuberante. O relato que você vai ler, ocorrido no dia 22 de julho de 2012, ilustra o que está acontecendo debaixo de nossos narizes.

Nívia Pombo e Arnaldo V. Carvalho

Passei os últimos meses trabalhando tanto que não tive tempo de ir à praia, mesmo morando no litoral. Quando finalmente surgiu a ocasião, decidimos eu e minha companheira levantar cedo e seguir para uma das que gosto, não é tão longe e (ainda) não é poluída (infelizmente boa parte das praias onde moro é poluída, e por isso cresci olhando uma orla maravilhosa sem nunca ter tido o prazer de me banhar nessas águas).

O sol já havia se erguido e as espumas brancas nos saudavam naquela manhã. O único movimento na areia era dos pescadores recém chegados ao pequeno pontal que nesta praia se forma dividindo-a praticamente em duas, e dos pássaros marinhos que naquelas pedras pescam e ao mesmo tempo se atraiam pela canoa cheirosa a peixe fresco. A prainha formada ao lado direito ao pontal é um verdadeiro refúgio a vida.

Colocamos os pés na areia, e de mãos dadas caminhamos na direção da água, e de um pedaço de areia que julgássemos ideal para nos instalarmos por aqueles momentos. No caminho, alguns pequenos quiosques destinados a vender produtos aos banhistas encontravam-se fechados. E num cantinho de um deles, nossos olhos avistaram com surpresa um grande pássaro negro, marinho com certeza, afastado de todos os outros. Quando percebeu nossa presença não fez muito, além de demonstrar inquietação extrema. Uma de suas asas estava tão quebrada que um pequeno pedaço de osso se expunha. “Os pescadores devem ter experiência com esse tipo de situação”, refletimos, e fomos até eles. Os mesmos, ao descrevermos a situação do pobre animal, disseram que quem cuida disso é o bombeiro. Sim, o Corpo de Bombeiros possui um batalhão específico para guardar a vida nas praias – o GMAR. Buscamos pelo bombeiro ao longo da orla e não encontramos, até que uma pessoa nos informou que se tratava não de um, mas de um grupo de três bombeiros que se divertia nas ondas. Chamei por eles e um veio prontamente. Expliquei a situação, e ele sinalizou aos companheiros. Enquanto caminhávamos ao encontro do pássaro, os demais chegaram:

– o que foi? – disse um deles, e o primeiro a falar comigo disse: “pássaro”. Calaram-se e seguiram comigo por alguns instantes, enfim disseram: antes nós levávamos ao NitZoo, mas agora… não sabemos como proceder.

O NitZoo foi durante muitos anos uma referência estadual na recepção de animais silvestres encontrados perdidos ou feridos. Com sua equipe de zoólogos e veterinários, eles foram capazes de recuperar e devolver a vida natural centenas de aves e outros. O Zoo foi fechado após grande pressão da prefeitura, que abafava os protestos dos profissionais da área e jamais reconheceu a importância da fundação.

Chegamos ao local e um dos bombeiros que parecia ter mais experiência rapidamente conseguiu pegar a ave. “Albatroz”, disse. Encontraram um latão vazio e ali o colocaram, dizendo: “agora não podemos sair daqui, quando nosso supervisor chegar levaremos o albatroz para nosso batalhão e lá ele será encaminhado”.

– E que horas chega o supervisor? – perguntei.

– Por volta de 13H. Ouça nós não sabemos o que acontecerá pois o NitZoo está fechado, se você quiser levar para outro lugar, fique a vontade.

Ainda eram 9H da manhã, e eu desconfiava que quando o sol subisse aquele animal não duraria muito. Voltamos para a praia, mas nenhum dos dois pôde ficar confortável com a situação. O Zoológico do Rio poderia ser uma hipótese. Será que eles aceitariam? Pegamos o celular e começamos a dar telefonemas. A idéia era contatar o batalhão da polícia florestal. Após várias tentativas, fomos atendidos, mas a resposta é que eles não cuidavam do caso, que a ave deveria ser encaminhada ao zoológico do Rio. Mais uma série de tentativas – como é difícil falar para esses lugares! – e o RioZoo explicou que o setor de recepção de silvestres estava fechado para reformas e que a ave deveria ser encaminhada para Vargem Grande, onde a universidade Estácio de Sá possuía uma unidade com setor veterinário dedicado a recuperação de animais silvestres. Seria uma pequena viagem até lá, e o dia inteiro seria tomado. Não tínhamos certeza de que haveria sobrevivência, e sinceramente nós tínhamos planos de uma praia rápida para depois trabalharmos (a idéia era estarmos de volta ao trabalho por volta de 10H da manhã), pois estávamos abarrotados de tarefas profissionais pendentes (tanto eu como minha esposa temos pelas características de nosso trabalho certa liberdade de organizar horários em alguns dias e era o caso, mas em geral temos tanto a fazer que não nos sobra nada – e era por isso que a praia nos soava tão importante, oportunidade rara que levou mais de ano para se realizar). Como oferecer esse tempo a uma animal encontrado ao acaso? Ao mesmo tempo, como deixar um pássaro tão belo, eminentemente pescador, com suas grandes asas, e pescoço, a sofrer até a morte por inanição ou ser estraçalhada pelos vários cães agressivos dos pescadores (por ali rondavam vários)? Tínhamos que tomar uma decisão, e de tudo era certo que não deixaríamos as coisas por conta dos bombeiros, que demonstraram atitude de completa apatia resignada ante ao caso.

Ligamos para uma cunhada veterinária, e ela sugeriu o IBAMA. Os telefones porém eram impossíveis. Então Nívia se lembrou de uma prima minha que é uma “cachorreira” voluntária (é como se auto-intitulam as pessoas que prestam resgates a cães abandonados ou fugidos e mantém uma rede de conhecimentos para cuidar e tentar encontrar seus donos ou no caso de abandono, lares a esses animais), ligamos, e ela, acionando sua rede de contatos, nos indicou 2 veterinários da cidade que saberiam lidar com animais silvestres “explique o caso, porque tratar de animal silvestre é caro”, disse-nos. Naquele momento já não pensávamos nisso: agimos pensando em fazer o que fosse possível. Vimos um cão a farejar a ave dentro da lata, testemunhamos seu sofrimento no momento em que foi colocada de um jeito bruto e inadequado, observamos seu debate ali dentro, seu medo e grande stress. Mais uma vez retiramos os bombeiros de suas brincadeiras na água, comunicando que levaríamos o albatroz. Eles o colocaram em nosso porta-malas, e saímos dali na busca pelos veterinários. No caminho, minha prima manteve-se em contato, e acabou conseguindo um telefone para falarmos com o IBAMA “vocês devem encaminhar a ave para Vargem Grande, é para lá que levávamos os animais; mas atualmente estamos sem nosso carro de resgate e por isso nem podemos buscá-lo onde vocês se encontram”. As esperanças estavam agora no veterinário. Não tínhamos o dia inteiro. Já eram cerca de 11H quando lá chegamos. Relatamos a situação para a veterinária de plantão, e ela mostrou-se sensível mas infelizmente nada pôde fazer: “o veterinário que sabe o que fazer (especialista em animais silvestres) não vem hoje, virá amanhã. A UFF (Universidade Federal Fluminense) possui um hospital veterinário aqui perto e eles têm um setor, vocês devem leva-lo”. Agradecemos e antes de sairmos em direção ao hospital, a médica apareceu a porta e disse: “posso vê-la?”, “sim”, dissemos. Então ela veio até o carro e abrimos o porta-malas. O albatroz estava ativo, havia se movimentado e ela o olhou com ternura. “ele é lindo!”, disse “tomara que consigam logo”. Desejou-nos assim boa sorte e seguimos. No hospital nossa parada foi rápida “o médico de silvestres só está aqui as segundas e quartas”, informaram-nos. Já passava do meio dia, o albatroz no porta-malas, nós com fome, desesperançosos e sem saber o que fazer. Aliás, sabíamos. Ir a Vargem Grande. Contudo, nossa experiência apontava para uma fila grande de instituições sem funcionamento. Pendências de trabalho, uma viagem de 2H com um animal ferido para chegar a um lugar e não sermos recebidos? Fomos em casa, descobrimos o endereço pela Internet, traçamos um roteiro de ida, mas os telefones do lugar simplesmente não funcionavam. A vida daquele pássaro agora dependia de nós e não havia outra hipótese.

Pegamos o carro e fomos. No caminho, foi possível refletir criticamente como o estado transfere pouco a pouco e cada vez mais suas responsabilidades para iniciativa privada. Já tínhamos observado isso em nossas áreas – saúde, educação – e agora era o que acontecia agora com as estruturas destinadas ao meio ambiente, começando pelo cuidado com a fauna. Uma blitz nos causou temeridade – o que diriam os policiais se descobrissem uma grande ave silvestre, ainda mais ferida, em nosso porta-malas? “é preciso dar um nome, pois já estamos evidentemente apegados”. “que tal Alba”, “Albinho”, procurávamos quebrar a tensão. Após o tempo de viagem, com alguns desacertos pois desconhecendo o caminho não se considera fácil de chegar, estávamos de frente para a universidade. Fomos a unidade e o responsável não se encontrava, mas parte de sua equipe sim. Eles nos orientaram a entrar com o carro, e quando abri o porta-malas a bióloga exclamou: “é uma fragata!”. Sim, o albatroz era de fato uma fragata, e mostrava-se muito agressiva e estressada. A bióloga conseguiu neutralizá-la e retirou-a com segurança do carro. Avaliou a situação e sofreu junto com o animal. “O que aconteceu com você?”, e voltando-se para nós disse: sem dúvida está sentindo muita dor”. Em minha ignorância, disse “pelo menos foi apenas uma asa”. Então ela nos ensinou, pouco antes de chegarem outros dois profissionais e eles começarem um debate técnico sobre o que poderia ser feito: “vêem os pés como são pouco desenvolvidos? São apenas para pouso, as fragatas passam boa parte da vida voando, e a pior coisa que pode lhes acontecer é justamente o dano as asas. Pelas condições que estou vendo, a recuperação será extremamente difícil. Temo que não consiga”. Naquele momento chegava um carro com uma capivara. Já havia visto um outro pássaro e um grande jabuti ali. Os profissionais corriam contra o tempo para ajudar a todos. Assim que foi possível, passaram a discutir o que poderia ser feito pela fragata, se haveria alguma chance, ou em caso negativo, se o sacrifício seria a única hipótese de impedir mais sofrimento. O veterinário-chefe só voltaria de viagem no dia seguinte, e eles se mostraram bastante dispostos a esperá-lo. Por fim, colocaram-na em um receptáculo próprio, e agradeceram por termos levado-a até lá.

Despedimo-nos. Não busquei saber o que se passou depois. Preferi não saber. Para mim, aquele teria sido o último vôo daquela fragata, que ofereceu a mim a oportunidade de compartilhar com o mundo o quanto “anda difícil” viver em um habitat deformado pelo homem, onde este sequer confere um suporte ou contra-partida adequado.

 

* Arnaldo V. Carvalho é terapeuta e Nívia Pombo historiadora. Ambos são amantes da vida.