Jurista explica o ponto de vista da ponderação

 

Um amigo, notável jurista e ponderador do momento social que vivemos vem conversando comigo na mesma lógica de ponderação e busca pelo exercício consciente da cidadania. Há nisso uma procura dedicada por informações idôneas, o que é praticamente um garimpo quando se recorre a informação gerada pela imprensa.

Nos últimos dias de março, meu amigo me escreveu a  mensagem que compartilho abaixo (sob autorização), que clareou pontos onde minha ignorância não alcançava, e contém muito do que penso sobre os assuntos atuais.  Tempero para reflexões coletivas acerca do panorama que estamos vivendo no Brasil. (Arnaldo)

Uma pessoa pode ter em sua vida 4 possíveis esferas de responsabilidade por seus atos:

(i) Civil, ex.: bati meu carro e eu, por ser o culpado, tenho que consertar;
(ii) Penal, ex.: roubei um carro e, por isso, posso ser preso;
(iii) Administrativa, ex.: sou um funcionário publico desidioso, posso sofrer penalidades funcionais inerentes a carreira pública ocupada;
(iv) Política, ex.: sou presidente da república e atentei contra o orçamento público, posso ter meus direitos políticos suspensos.

Algumas dessas esferas só se aplicam a determinadas pessoas em razão da qualidade especial exigida pelo Direito para que se esteja regido por aquele regime jurídico. Exemplo: responsabilidade política só existe para pessoas que exerçam cargos públicos que no desempenho de sua atividade envolvam parcela da soberania do Estado.

Impeachment = processo de julgamento a fim de apurar eventual responsabilidade política. É, portanto, um devido processo legal especial. Tem um trâmite bem diferente de um processo judicial em razão da importância do bem juridicamente protegido, a gravidade da conduta e a grandes consequências geradas pela sanção.

Problema da Dilma:

Inicialmente, ela supostamente teria atentado contra o orçamento. Isso é fundamento (fato) para a caracterizar uma infração de responsabilidade política? Sim. A Constituição diz isso expressamente.

O que é atentar? Atentar significa dizer que não é necessário lesar o orçamento, a mera manobra ou tentativa de manobra é equiparada a efetiva lesão. Logo, a conduta de “lesar” ou “tentar lesar” seriam a mesma coisa para fins de reprovação e sanção da conduta. Isso é algo que só existe para essa situação? Não. Existem várias previsões dessa situação em diversos âmbitos de responsabilidades. A ideia é que tamanha é a importância do bem juridicamente protegido que se acredita que assim haverá a sua maior proteção.

O Tribunal de Contas da União (TCU), órgão técnico especializado por auxiliar o Congresso a exercer o controle externo no aspecto financeiro (o orçamento público). Existe esse controle? Sim, um Poder da República tem dever de controlar o outro para que não haja abuso.

O TCU dá a palavra final a respeito da questão técnica em relação ao orçamento? Sim. O julgamento do TCU em relação à Dilma significa que houve ato atentatório ao orçamento? Tecnicamente sim. Só que isso não significa que as contas da gestão dela serão rejeitadas. O Congresso com um quorum especial (unanimidade) pode superar o aspecto técnico e aprovar a prestação de contas por razões políticas que não necessitam ser expressamente apresentadas.

A aprovação de contas significa que não terá havido o atentado contra o orçamento? Não. O julgamento das contas não tem qualquer relação. Isso porque se analisa se há lesão ao orçamento. A responsabilidade política envolve tanto a lesão como a tentativa de lesão.

“Novos” problemas envolvem as escutas.

Também é infração política atentar contra o Judiciário e o Ministério Público. A nomeação do Lula como ministro de Estado,  se visava justamente obstruir a justiça (Judiciário e Ministério Público), conseguiu mais um fundamento para caracterização da responsabilidade política.

“Problemas” paralelos:

Constatadas as pedaladas, verificou-se que elas tinham coincidência com o calendário eleitoral. Daí porque tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma possível infração à legislação eleitoral: abuso do poder econômico e político. Caso reconhecida, a sanção será a suspensão dos poderes políticos. Em outras palavras, a chapa eleita tem que cair, porque não seguiu as “regras” para a disputa eleitoral.

Caso sejam constatadas as manobras para proteger o Lula de qualquer investigação da justiça, então está caracterizado que houve uma série de crimes. Logo, ela supostamente poderia sofrer uma possível responsabilidade penal (que é a que resulta em cadeia).

Questão do Moro.

Improbidade administrativa = é o ato praticado pelo agente público que importa: (a) o enriquecimento ilícito em razão do cargo, tanto próprio como de terceiro; (b) um prejuízo ao erário, independente de haver vantagem para qualquer pessoa; ou (c) afronte qualquer dos princípios que regem a Administração Pública.

Perceba que é uma noção vaga. Chamamos isso de conceito jurídico indeterminado. Temos cláusulas gerais do que seria, mas, por meio das técnicas de interpretação (hermenêutica jurídica), delimitamos o que é.

As duas primeiras situações, em princípio, seriam totalmente impertinentes para configurar um ato de improbidade. Não se fala, p.ex., que o Moro recebeu dinheiro para levantar (= tirar)o segredo de justiça, o que seria um enriquecimento ilícito em razão do cargo. Não se fala, também, que o levantamento do segredo de justiça causou prejuízo ao erário (=cofres públicos).

A questão está nos princípios. Essa é a previsão mais genérica e mais complexa. Tudo porque vivemos numa era em que os princípios tomaram conta do ordenamento jurídico e tudo hoje “é” princípio (“panpricipiologismo”). Então, não temos uma delimitação de todos os princípios. Eles aumentam com o passar dos anos. Apesar disso, para termos um pouco de segurança jurídica, normalmente só se imputa ato de improbidade quando violado os princípios unanimemente aceitos.

No caso Moro, sem saber os argumentos utilizados, no máximo só vejo a possibilidade de ser imputado a ele a violação do princípio da publicidade e da impessoalidade. Só que aí a questão fica mais complexa ainda. Tudo porque juízes têm prerrogativas para assegurar a sua livre atuação.

A regra é que os processos sejam públicos. Excepcionalmente, quando estiver presente uma das situações prevista em lei, o juiz pode (faculdade) decretar o sigilo. Essa faculdade significa que o juiz pode fazer o que quiser? Não. É uma discricionariedade, e não uma arbitrariedade. Qual a diferença? Num a escolha é pautada e limitada pelo ordenamento jurídico como um todo. A outra é a escolha subjetiva e a bel-prazer, independentemente do que haja de norma jurídica no ordenamento.

Repare que ele não é obrigado, é uma faculdade. Há hipóteses obrigatórias? Sim, há. No caso Lula foi uma hipótese “facultativa” (isso já é outro assunto, se quiser eu explico). Então, existe a regra, a exceção e a exceção da exceção. Sendo então uma “faculdade” e considerando esse panorama, não há como haver violação ao princípio da publicidade.

Além disso, há a questão do interesse público e o dever de transparência. Numa democracia questões que envolvam a sociedade devem estar disponível para acesso a todos, pois é um direito de todos saber o que acontece no Estado. Então, uma coisa é o interesse público e outra é o interesse do público. O último que se confundiria com uma mera “fofoca” em que há certa invasão da privacidade. Pessoas públicas têm a sua intimidade reduzida, mas não significa que se permite invadir suas vidas para se saber coisas pessoais totalmente impertinente para a atividade profissional por ela desenvolvida. Em outras palavras, não poderia ser exposto o Lula conversando com uma amante sobre o seu relacionamento sexual. Poderia ser exposto o Lula arquitetando manobras para se furtar da justiça. E mais, sendo isso a configuração de um possível crime será elemento de prova do processo em que, dada a regra de ser público, todos poderiam ter acesso.

A outra possível queixa ao Moro seria a impessoalidade. Ela envolve a vedação de alguém que aja em nome do Estado abandonar a busca de concretização do interesse público e passar a perseguir seus interesses pessoais. Não se pode querer fazer com que seu interesse particular prevaleça sobre o interesse público. Temos até um princípio aí: princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular. Com isso, o agente público não pode valer-se de seu cargo pra favorecer ou prejudicar pessoas. Tenho a impressão que a tese plausível da improbidade do Moro seria mais no sentido de que ele “fez” só para prejudicar a Dilma e o Lula.

Só que isso não seria possível afirmar por ele ser juiz. Se o levantamento ou a manutenção do sigilo era uma “faculdade” do juiz a seu favor para melhor conduzir o processo, é uma prerrogativa dele, como juiz, levantá-lo quando entender que não há mais a sua necessidade à luz do ordenamento jurídico. Não tem como dizer que ele fez de “sacanagem” sem a prova da intenção (dolo) de prejudicar. Tudo porque ele exerceu a prerrogativa de decidir como entende que deve ser aplicada a lei para o caso. A lei prevê isso? Sim.

Até mesmo porque no processo criminal dificilmente se decreta o “sigilo facultativo” por questões de segurança pessoal. O segredo de justiça nessas situações no processo criminal muitas vezes pode ser a sentença de morte do juiz. Vale lembrar que nem o mensalão tramitou em segredo de justiça, não faria sentido dizer que o do Lula teria que tramitar só por atingir um ex-presidente ou um presidente.

Questão do golpe:

Não há como cogitar nisso contra o PT. Golpe por definição é a não aplicação das normas jurídicas em vigor para, ao substituí-las/superá-las, dar uma outra solução a uma situação. Solução essa que não estará de acordo com o Direito. Portanto, busca-se furtar das consequências legais previstas de certa conduta.

Independentemente de ser pró ou contra PT, dizer que “não vai ter golpe” é uma solução que me soa golpista, porque no grito tenta-se não querer se submeter ao processo legal de julgamento, ou seja, as regras do sistema jurídico brasileiro. Caso se queira defender, deveria ser sustentado algo “queremos a apuração e um devido processo legal de julgamento”. Caso inocentado, justiça foi feita; caso contrário, justiça foi feita. Só que isso somente envolve a responsabilidade política. A questão eleitoral e criminal são para ser discutidas em outros processos. O problema é que todos terão a possibilidade de suspender os direitos políticos. Caso suspensos, a Dilma não terá mais a possibilidade de presidir o executivo federal.

Mais uma vez, caso se queira defender que não há nada, deve-se defender que se quer o debate e a apuração. Aí sim teremos uma reivindicação democrática, porque se quer uma solução jurídica dentro do Direito brasileiro que é aplicável a todos. O oposto será autoritário e aristocrata, porque quer uma solução fora do Direito brasileiro para uma determinada pessoa específica. Quer-se um privilégio. No Direito a origem da palavra privilegio é privi – legis, leis particulares que só se aplicavam aos amigos do rei (soberano).

Uma coisa é a discussão da idoneidade dos julgadores, outra é não querer se submeter a julgamento.

Uma coisa é a discussão se essas regras são boas ou ruins, outra é a aplicação.

Não tenha o que eu disse como certo ou errado. Pense e reflita e saia do senso comum e das polaridades de pró e contra. Particularmente, acho que não se pode dizer A nem Z. Não sei o que efetivamente há apurado e o que não. Todo radicalismo culmina numa estupidez e em autoritarismos.

Após essa mensagem,  perguntei a ele se faria diferença o Lula ser ministro ou não,  pois até onde sabia,  o julgamento apenas mudaria seus atores,  passando a ocorrer sob a responsabilidade do STF. A resposta:

Essa questão do foro por prerrogativa é um tema que tem um quebra pau danado no Direito. Tem a discussão da sua utilidadade X finalidade. Teoricamente ela tem um fim, mas nunca se viu ser utilizada. O que se constata é justamente a utilidade em conferir proteção a alguém. Há também a questão da tentativa de querer escolher o julgador. Tem ainda as diferenças jurídicas e políticas de um julgamento por um juiz de 1º grau e um tribunal superior.

Não gosto dessa ideia de todo mundo ser dono da verdade e apto a fazer um julgamento midiático. 

Julgar a vida de alguém é muito fácil para quem não tem sensibilidade humana com o outro. Gostaria de saber se as mesmas pessoas pensam assim se fosse elas mesmas que estivessem para serem julgadas.

Resposta ao meu pedido de publicação:

Quanto à publicação, tem termos que falei em sentido leigo. Jurista que for ler vai te atacar por essas falhas. Caso queira muito se pronunciar publicanente, peço apenas que fale do seu jeito e que fale da forma mais leiga possível. Isso te permite pensar com profundidade sem ser atacado por aspectos jurídicos menores em relação ao que você quer abordar.

Uma coisa é o debate intelectual, outra é o objetivo de conscientizar ou alertar. Mal comparando, é como o mito da caverna. O despertar tem que ser natural. Não adianta ser forçado, porque aí gerará atritos.

É isto meus amigos,  mais uma voz que soa sábia no mundo,  mesmo que se possa ter percepções divergentes a ela.

Aos curiosos por minhas posições políticas em relação ao cenário atual

Clareza de opinião?

Aos curiosos por minhas posições políticas em relação ao cenário atual

Um grande amigo me mandou uma espécie de questionário por mensagem, desejando saber qual a minha posição exata sobre o panorama político brasileiro relacionado ao imbróglio Dilma / Temer / Cunha / Impeachment / ETC… Claro que respondi, mas como esse tipo de situação tem se repetido, especialmente após a publicação dos últimos posts em que menciono a necessidade de ponderação quando se deseja formular uma opinião consciente relacionada a política nacional. Desse modo, pedi e recebi autorização desse amigo para publicar a resposta, que talvez elucide algumas minhas posições atuais, e ao mesmo tempo (é o que mais desejo) possa suscitar uma forma de compreender política que certamente não está em uma análise rápida e simples e/ou tomada de bandeira. A resposta ao meu amigo é simplória, escrita entre estações de metrô via celular, e não pretende ser grandiosa, mas simples e direta. Quem sabe será útil, hoje ou amanhã… Segue a carta:

“Vamos lá, para mim o dialogo contigo é um prazer, uma honra e um momento de aprendizado. Vou responder a todas as suas perguntas, mas lhe antecipo que não são ideias rígidas: sou um ignorante confesso tentando me situar da maneira mais justa que conseguir.

– Você é um dos que defende a continuidade do atual governo até 2018?

R: Não defendi nem com opiniões nem com meu voto a entrada de nenhum governo PT a presidência até o momento. Aliás, nunca votei no PT e continuo não enxergando motivos para faze-lo, embora enxergue uma ou outra ação ou ideia positiva oriunda de seus partidários – ocupantes ou não de posições políticas na atualidade (para todas elas, um preço discutível que necessitaria de alguns artigos longos para responder). Também não votei no “outro lado” (PSDB/Aécio – últimas eleições). Na verdade, nenhum dos candidatos altamente votados nas últimas eleições me representou, nenhum deles obteve meu voto.

No entanto, sou parte da minoria que perdeu as eleições e preciso compreender e acatar que a maioria escolheu por todos. Considero que até agora, a obsoleta forma de se tentar produzir democracia se faz assim, através de votação direta, onde a maioria determina a escolha (mais assunto para longas discussões). Até aqui, esse é o modo como ocorre no Brasil e enorme parte dos países presidencialistas e ditos democráticos no mundo, e pouco posso fazer por isso.

Dentro da lógica presente, cabe-me apontar, enquanto cidadão que procura ser consciente, os erros e acertos da administração, e discutir se vale a pena continuar ou não. Minha resposta se dá na minha opinião, e no meu voto. Tento compartilhar minhas reflexões com quem se interessar, sujeito político que sou. Faço isso há muitos anos mas até agora não consegui que sequer uma alma seja tocada por essa forma de ver. Seguirei tentando.

De qualquer forma, surgiu a possibilidade do impeachment e eu ainda estou confessamente dividido com sua idoneidade. Até onde pude entender, o importante é que sempre que houver desconfiança, que se abram os processos de apuração cabíveis, e que ante aos devidos resultados, que se sofram as consequências. Impossível dissociar esse fato à uma sensação de que a aplicação de tais rituais de apuração e sentença não estar sendo aplicado de forma equivalente a todos os personagens do cenário político. Mas isso já não seria parte de uma resposta a sua pergunta.

Para encurtar, posso resumir sem reflexão alguma o que penso: não quero ou acredito em nenhum desses que estão aí, e não negligencio forças do mercado que tem o poder oculto no jogo das marionetes executivas. O governo é ingovernável hoje, e seguirá ingovernável até novas eleições.

– …. mantendo o Brasil descendo a ladeira em direção ao abismo, em total descaso com a saúde pública, a segurança, a educação, os investimentos, a destruição dos empregos e principalmente, em total desgoverno, com 39 ministérios que nada fazem, mas consomem nossas reservas até esgotá-las?

R: Tudo isso é verdade, como também é que foi a escolha da maioria, e aí infelizmente digo que talvez ainda estejam para nascer os governantes em todas as esferas que em sequência assumam o poder e façam uma revolução na educação. Uma pena, gostaria que ao menos nossos filhos vissem isso, mas acho que não verão. Torço que haja um processo idôneo de impeachment, que sua sentença final represente a justiça brasileira e suas leis, e que mais adiante, se as acharmos que já não representam justiça nos termos atuais (cada tempo tem suas noções e pertinências), que se possa reforma-las de forma ágil e hábil.

– Concordamos que o Cunha é um inimigo (disso não há qualquer dúvida),

R: Eu não utilizaria a palavra inimigo. Considero-a belicosa, e contraproducente (se desejar explico). Ainda preciso me inteirar mais sobre tudo o que gira em torno do nome desse homem, mas o mais urgente é que as apurações contra seu nome andem e cheguem a respostas e consequências – a mesma cobrança que faço em relação a todo e qualquer acusado.

– Mas você o considera mesmo aquele que pode fazer maior estrago ao País no momento, já que está centrando suas baterias em sua direção?

R: o grupo dele é o de oposição, e como tal cumpre seu papel regulador. Lamento que seja necessário haver sempre uma oposição, e que essa atue de forma destrutiva. Ao longo da curtíssima história de minha vida, vi isso se repetir em todos os anos de democracia. Quase sempre, o jogo foi: PSDB x PT, onde primeiro foi um e depois o outro, e PMDB por trás de tudo, controlando satisfeito as cordas de seus bonecos gladiadores (desde as primeiras eleições diretas pós ditadura militar). Nesse sentido, a resposta é que o estrago já foi feito, surgiu um ímpeto de arbitrariedade que promove um processo de divisão e enfraquecimento do povo, das instituições, de tudo o que habita sob o nome de “Brasil”. “Vergonha alheia”, diriam os nossos adolescentes, embora não se possa ser alheio à própria condição civil de brasileiros.

– Em sua opinião, a saída dele suspenderá o nosso Hades?

R: captou bem Lucio, estamos no Hades. O início de uma saída só pode acontecer mediante novas eleições, seja pelo embargo da chapa Dilma-Michel, seja em eleições ordinárias daqui a dois anos. Até isso acontecer seguiremos todos nos queimando no circo que pega fogo. Uns pouquíssimos assistirão de camarote.

– Ou isso não é importante, desde que ele saia?

R: A saída dele é tão importante quanto a de todos os outros contra quem se provou estarem desqualificados para seus cargos. De qualquer forma, lembremos que, no momento, o impeachment leva Temer a presidência, não Cunha.

– Como a eliminação de um inimigo dos canalhas que estão destruindo o Brasil, tornará a vida dos brasileiros melhor?

R: Todos devem sofrer as consequências por seus atos. Todos, sem exceção. As devidas consequências, através dos mecanismos de justiça cabíveis.

Sinceramente, o que verdadeiramente precisa ser erradicado não é um personagem ou outro, mas a mentalidade pouquíssimo cidadã, crítica, criativa nas soluções, consciente, participativa… E mais uma vez caímos na questão educação.

– Tanta gente pior, em posições de poder e capaz de causar destruição em massa e eu só vejo gente falando de seu único inimigo!!

R: Os artigos de autoria que publico em meu blog são reflexivas e não envolvem nomes. Posso ter compartilhado algo no facebook que achei valido e que criticava um ato, instituição, pensamento padrão, pessoa… Mas um compartilhar de um dado não significa uma reflexão integral sobre o cenário completo.

– É como estar vivendo em Gotham City, sem um Batman para nos proteger, e desejar que o Coringa e o Pinguim não se destruam mutuamente, pregando a eliminação de apenas um deles…

R: Dentro dessa analogia, eu poderia prever que antes da destruição mútua meia cidde já teria ido para os ares. Para piorar, o eventual vencedor se tornaria hegemônico e talvez por isso mais poderoso e perigoso do que nunca. Aplicando dados de realidade a seu exemplo, creio que ou a polícia encontra meios de deter os dois, ou a cidade segue a mercê de lunáticos. Posso ainda acrescentar um certo elemento que só costuma entrar em ação, ao menos na vida real, após um tempo em condições de vida insuportáveis: o povo. Temos muitos exemplos disso ao longo da história de todos os povos.

– Por favor, esclareça-me como a vida dos brasileiros ficará melhor, centrando as baterias na prisão do Cunha, no presente momento.

R: Não ficará mesmo. Temos um rebanho de bodes expiatórios no poder. Expiatórios porque reproduzem em boa parte a mentalidade dos que os elegem. E essa constatação é profundamente triste. (Mais tema para necessárias reflexões bem mais longas).

A troca de mensagem ocorreu no último dia 20.

Após minhas respostas, meu amigo refletiu que a ordem da derrubada dos políticos pode ter importância no resultado final, que por sua vez pode trazer como resultado um benefício maior ou menor ao Brasil como um todo. Pode ser.

No momento, agradeço a possibilidade de refletir junto e em alto nível.

Um abraço aos meus leitores.

Arnaldo.

 

 

 

Fanatismos brasileiros e ateísmo político

Fanatismos brasileiros e ateísmo político

Arnaldo V. Carvalho*

 

A escolha pelo domingo, e os telões montados na praia de Copacabana não deixavam dúvidas: os governantes trataram a decisão política do impeachment de Dilma Rousseff como espetáculo. E a parte do povo que abraçou a iniciativa se comportou de acordo. Por volta das onze horas da noite,  fui acordado por gritos de baixo calão, tambores,  apitos e buzinas acordaram a região onde moro,  próxima ao Maracanã. Exatamente como ocorre nos dias de jogo de futebol.

 

Sem me surpreender,  decidi ir aos jornais online.  Suas redações emitiam a mesma observação.  Mais uma a prova da afirmativa de que, no Brasil (ou ao menos no Rio de Janeiro) , as pessoas tratam política como se fosse futebol. Escolhem seus times e a partir daí passam a defende-los acima da lógica, da coletividade, do Todo. Opina-se e age-se de forma fanática. E o fanático –  confirma a psicanálise,  o pensamento reichiano e a Medicina Tradicional Chinesa – é movido pelo “pensamento mágico”,  uma estrutura arraigada no inconsciente,  geradora de angústia crônica, ansiedade generalizada, esperança doentia de que o individuo será salvo por algum evento externo ao mesmo. 

 

Não foi a toa que a palavra mais repetida pelos deputados no circo dos horrores de ontem foi “Deus”.  

 

Fanatismo esportivo, fanatismo religioso, fanatismo político, fanatismos vários… A sensação é de que vivemos uma era de fanatismos em todas as áreas. Porque o fanatismo é um só. 

 

Vota-se por fé e não com fé.  Se religiões têm seus dogmas e seus fieis devem segui-los, em nome do mistério da fé que lhes move, o mesmo não deveria ocorrer,  jamais,  no campo político.

 

Mas fanáticos tornam-se uma estranha espécie de seguidores cegos dos partidos e seus personagens. Por vezes, alguns são ouvidos como se fossem a fonte única da verdade.

O fanatismo político do Brasil inclina-se a variantes mal resolvidas de direita e esquerda, e tem predileção por adorar imagens: pessoas ou grupos são mitificados, para o bem ou para o mal.

 

Não é curioso que as populares propagandas políticas especialmente distribuídas em boca de urna (apesar da proibição expressa) sejam denominadas “santinhos“?  

Políticos emitem suas imagens,  o povo as engole inteiras. Defendem e atacam posições baseadas no que ouviram “por aí”,  tornando bares, facebooks, jornais e revistas verdadeiros “templos”. Aquilo que lhes chega é suficiente para a formulação de uma posição. Mas será mesmo possível assumir que suas fontes formulam análises justas, completas e honestas sobre o que vem acontecendo no panorama político econômico e social? É cabível uma participação política assim,  tão acrítica da parte do cidadão?


Contra os fanatismos,  o Brasil talvez precise é de mais ateus políticos. Pessoas que não acreditem de forma absoluta em nenhum partido e nenhum político, que não acreditem em teorias acerca de direita e esquerda, ao menos no país atual.  Precisamos de cidadãos que observem de forma menos iludida os movimentos dos candidatos e eleitos, e os aprovem ou rejeitem com mais consciência. Isso passa por investigar feitos anteriores do político de interesse, suas alianças, seus votos e projetos, suas condutas pessoais mesmo de antes de tornarem-se políticos.  Peso menor ou nenhum terão as meras palavras e promessas desses homens.  O ateu político não crê em político salvador.


Ateísmo político requer boa memória. Isso porque se rejeitará a imprensa momentânea como fonte absoluta da verdade. Requer ainda uma positiva burocracia de verificação: deve-se buscar sempre que possível a fonte das informações do que se lê,  vê e ouve, verificando validade, idoneidade, relevância.

Para o ateu político nenhum candidato é santo ou demônio,  apenas pessoas defendendo interesses que podem ou não representa-lo. Ele entende que o apoio plausível, a ação plausível, deve ser a da consciência individual afinada com os interesses de uma complexa coletividade.


Sem dúvida, o ateu político não espera vida após a morte; Pelo contrário,  atua para que a coletividade reivindique um Estado mais justo .

Mas sem devaneios, explosões de raiva ou euforia,  pobreza de informação,  achismos e mitos. Não há mais espaço para novos fanatismos.  Respiremos.

Arnaldo


Você conhece algum ateu político? Comente aqui!

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* Arnaldo V. Carvalho, terapeuta, professor, pai, cidadão, não se furta à análise do aqui-agora da sociedade onde vive.