Porque não faço L mas voto 13 no dia 30

Porque “não faço L mas voto 13” no dia 30.

(Por Arnaldo V. Carvalho*)

Não será um textão. Quem já me acompanha vai ler agora, em um parágrafo curto, uma síntese de tudo o que repito há anos:

Nunca votei e sempre fui um crítico aos governos de Lula (2003-2011), e definitivamente não sou um “lulista”. Mas divergir de um projeto nacional é muito diferente de protestar contra a ausência de um projeto, ou de não admitir a presença de um projeto fascista de estado (ou com características fascistas). Por essa razão (e outras), em 2022 meu voto é 13.


Quem tiver paciência, pode ler uma “expansão” dessa ideia e conhecer minimamente a minha condição e posição política. Estou colocando isso aqui porque é primeira vez que eu declaro meu voto publicamente – a despeito de ter me esforçado, nas últimas eleições, para ajudar quem me lê na direção de um voto consciente sem oferecer qualquer endereço a quem votar.

Histórico (d)e algumas convicções políticas

  1. Meu histórico de votos em Lula: Nunca havia votado, e sempre fui um crítico aos governos de Lula (2003-2011). Minha crítica não começou quando veio a onda de escândalos de corrupção (cujas reais conexão para o o então presidente nunca foram bem esclarecidas). Ela é mais antiga, simplesmente porque discordo das direções que ele considera as melhores para o país. Essa crítica não me faz negar os progressos sociais evidentes de sua gestão (bem como os progressos não me fazem ignorar a manutenção da concentração de renda).
  2. Meu histórico como (NÃO) militante por pessoas ou partidos: Aliás, podem buscar e não verão eu fazer propaganda ou defender político específico nenhum ou partido específico nenhum. Nem sou muito de declarar voto. Mas é claro que estou sempre observando as posturas e atitudes coletivas dos partidos e seus representantes, e as estatísticas mostram que, no geral, alguns partidos e suas pessoas propõem e votam em pautas com as quais identifico serem melhores para as pessoas do que outros.
  3. Se sou “de esquerda” ou de “direita”: É comum que amigos e conhecidos “de esquerda” me achem “à direita” e os de direita, que sou “de esquerda”. Eu não me reconheço como parte dessas posições, porque a coluna de valores que são colocadas como identitárias (ou seja, o que faz alguém sentir pertencimento em relação à “esquerda” ou “direita”) são, no mais essencial, as mesmas (talvez por desconhecimento da maior parte das pessoas acerca da origem dessas palavras e como se construíram sistemas de valores associados a uma ou a outra). Eu quero paz, segurança, educação, respeito, honestidade, amor, quero ter voz e ser escutado, e quero isso para TODAS as pessoas e para a natureza. Isso é ser o quê? Esquerda ou direita?
  4. Capitalismo ou socialismo: é tão simplista dividir o mundo e os diferentes sistemas econômicos desse jeito! Então vou ser simplista também na minha posição, afirmando aqui por escrito o que sempre digo aos amigos quando me perguntam: em uma sociedade ética, qualquer sistema serve, porque sempre se criará mecanismos de justiça social e equilíbrio econômico, e todos terão seus espaços e dignidade garantidas.
  5. Quando voto não penso apenas em mim ou minha realidade: combato o que para mim é um falha na consciência política de muita gente. Há quem se candidate, e há quem vote, dirigindo-se a pautas que apenas a eles interessa. Surge o “Fulano do bairro”, o “Ciclano do SUS”, a beltrana da “igreja”. Que pese seja legítimo a qualquer cidadão – inclusive os que se fazem candidatos – se sentirem mais envolvidos com/por certas causas e menos por outras, ainda assim, há que se fazer um esforço de olhar o todo. Se não dirigirmos nosso poder de voto com esse fim, mesmo sem querer fomentamos desigualdades, porque se todos pensam em suas pautas “e fim”, as minorias seguirão sendo esmagadas e estaremos condenados a viver sempre em flerte com fundamentalismos, totalitarismo e intolerância. Por isso sim, especialmente nas esferas executivas federais, sou mais a favor quanto mais um candidato tenha um pensamento integrador, onde todos possam ter voz.
  6. Tamanho da economia desconsiderando concentração de renda é uma das maiores balelas utilizadas no Brasil: aqui não salvo ninguém. Há uma clara disputa de narrativas sobre crescimento econômico, tamanho do PIB etc. O silêncio por trás é termos a segunda concentração de renda mais violenta do planeta (perdemos apenas para o Qatar). Ou seja, a posição no ranking econômico, o tamanho do crescimento etc., não muda de fato a realidade de 99% das pessoas caso a concentração permaneça aumentando. É a conta mais fácil do mundo de fazer. Eu tenho 90 pedacinhos de qualquer coisa, outra pessoa tem 9 e outras 98 tem que dividir um pedacinho. Entrou mais 100 pedacinhos. Se mantemos a concentração (pior é se aumentasse), quantos pedacinhos a mais eu (dos 99 pedacinhos) vou ter, o sujeito dos 9 pedacinhos terá, e os outros 98 terão? Há quem acredite que “mesmo assim, os 98 que dividem um único pedacinho aumentarão em 100% seu ganho, tinham 1 pedacinho agora tem 2”. É um discurso real, há quem de fato defenda isso! Como há quem (e aí acho que é a maioria) acha incrível discutir tamanho da economia ou crescimento econômico… Precisamos é de desenvolvimento, que leve a uma mudança desse quadro que para mim é simplesmente perverso.
  7. Diferença entre divergir e não admitir: Divergir de um projeto nacional é muito diferente de protestar contra a ausência de um projeto, ou de não admitir a presença de um projeto fascista de estado (ou com características fascistas).

O 7×1 de Lula sobre B ou Critérios de análise que usei para essas eleições em particular

  1. Utilização de fontes oficiais: há tempos eu só aceito como informação analisável a imprensa oficial (com todos os seus problemas, ela ainda é a mais fiscalizada, e composta de maior número de jornalistas formados), e dados emitidos por instituições reconhecidas. Eu sempre comparo as fontes de informação, inclusive com uso de fontes internacionais. E uso também iniciativas oficiais de fact-checking. Opiniões pessoais, canais do Youtube, etc. são ignoradas, à exceção da proveniente de autoridade reconhecida: por exemplo, um doutor em economia que dá aulas em uma instituição pública possivelmente terá uma análise dele ouvida por mim (mas eu vou checar quem é). O influenciador digital “da hora” não tem qualquer chance comigo. É muito difícil para alguém que utiliza estritamente este tipo de fonte não enxergar vantagens de se votar em L em relação a B.
  2. Comparação de administrações federais entre os candidatos: É estranho, pois estamos votando não em propostas de governo, mas em dois modelos pré-experimentados. Independente da amoralidade e do discurso do ódio do presidente atual e de seu grupo, sua administração foi ruim nas mais diversas áreas, e qualquer comparação estatística é capaz de mostrar que entre esses dois governos (o de Lula entre 2003-2011 e o de B. 2018-2022), o primeiro foi muito, mas muito melhor para a grande maioria da população. Sem detalhar todas as comparações, apenas focando no perfil técnico dos ministros para pastas de alta importância como saúde, educação e meio ambiente, vê-se que em Lula havia gente com total relação com as áreas para quais ocuparam os cargos. Já no caso do governo B as indicações eram totalmente políticas. Esse é só um pequeno detalhe no todo de problemas administrativos que começam na incompetência e terminam em vilanice, em vários casos.
  3. Comparação do histórico na política nacional: B ficou 28 anos como deputado pelo Rio de Janeiro, tudo o que sei que ele votou na Câmara dos Deputados, votou diferente de mim, tudo o que discursou eu discordei, e ele no final das contas não conseguiu apresentar mais do que dois projetos de lei nessas quase três décadas? Para mim isso já é eliminatório. Para não falar de “como tudo começou”. Mas será que a trajetória de L é passível de eliminação? Não. Ele liderou o movimento operário durante a ditadura, ajudou a formar um dos mais importantes partidos brasileiros, foi ativo nas Diretas Já, como deputado federal (mais votado da história até então), participou ativamente da Constituinte e levou para a câmara cinco projetos relacionados a reposição salarial (em apenas quatro anos de mandato). No mínimo sua coerente trajetória demonstra liderança, proatividade e merece respeito.
  4. Sobre a corrupção versus decisão de voto: Em relação à corrupções (no plural), vejo que o brasileiro pode escolher três formas de julgar os políticos, e os dois primeiros são: “todos são corruptos” (e se assim for o critério de voto nem pode ser esse); “apenas um lado é corrupto” (essa é uma tomada de posição que desqualifica a possibilidade de um voto consciente, já que há evidências de corrupção de grande escala em diversos governos). Uma terceira possibilidade, que é a que sigo, é de não me considerar dono da verdade, nem um especialista em direito (eu não sou), e ir atrás das acusações, processos e resultados e suas pessoas. Não havendo competência para avaliar as nuances do juridiquês (também meu caso), ao menos ir ler o que dizem os especialistas, juristas profissionais, etc., buscando preferencialmente mais de um posicionamento. Se você fizer isso em relação aos diversos casos de corrupção e improbidades administrativas, pensará duas vezes entre simplesmente taxar Lula de ladrão e chamar B. de “mito”. Aliás, poderá desconstruir e reconstruir grande parte das imagens idealizadas de heróis e vilões por trás das figuras políticas.
  5. Olhe para o campo: Há anos recomendo que compreender a política nacional é olhar para o campo. E infelizmente, em meu pequeno círculo de amizades, poucos olham. Quando eu digo isso, estou sim falando de meio ambiente e ecologia, mas não simplesmente. O ponto é que o campo (e as florestas) detém a maior concentração de poder no Brasil. O campo tem forte mentalidade armamentista, do plantation a base de agrotóxico, da boiada que passa e destrói, das relações estéticas com um modo de vida hiperhierarquizado e que não respeita vidas e suas diferenças. O campo não consegue entender a importância de transitarmos para uma sociedade mais industrializada com tecnologia própria, e por isso não oferece os devidos incentivos às ciências. É o campo quem elege boa parte dos poderosos que acreditam em um projeto de nação de “discurso único”. É o campo quem faz boa parte do dinheiro do país, e ao mesmo tempo concentra cada vez mais renda. É por isso que todos os candidatos no primeiro turno flertaram com o agro. Quando olho para os detalhes no modo de lidar com os poderosos do campo, no entanto, vejo diferenças significativas entre os dois governos. Há uma tentativa clara em Lula de se negociar espaços vivíveis para uma população “não poderosa”, e a contrapartida é uma política externa que sempre foi muito favorável aos mega empresários. B. nunca se interessou por qualquer tipo de negociação nesse sentido. sequer.
  6. Discurso de ódio, apologia à ditadura, misoginia, etc. e tentativas de legitimar tais discursos e práticas: Isso nunca saiu da boca do Lula e está no plano do inconcebível em relação a qualquer candidato à qualquer posição pública onde eu tenha o direito de opinar através de meu voto.
  7. Mentiras e redes de fake news: estudos e investigações jornalísticas, acadêmicas e de instituições de proteção à transparência, lisura das eleições (incluindo o TSE), dentre outras mostram o quanto Bolsonaro é incomparavelmente o maior mentiroso da história, e o quanto a rede que seu grupo montou em torno de fake news construindo uma “realidade paralela” difícil de descontruir uma vez que a pessoa tenha entrado nela. Outro critério desclassificatório contra B, e ainda mais perverso, pois enreda pessoas em uma rede de distorção de fatos, reversão de valores e manipulação extrema. É quase inacreditável que não hajam leis nacionais e internacionais que prevejam um combate mais inteligente e incisivo à tais práticas. Nesse sentido, também não dá para comparar a qualidade de falas dos dois candidatos nem a diretiva central das duas candidaturas e suas estratégias nas redes. (Repito: a quem está me lendo nesse momento e acha que sou eu o iludido, me procure em particular e vamos trocar fontes de informação e analisar friamente os discursos. não dá para ter preguiça de ler ou estudar em decisões que afetam nossas vidas)
  8. O fato de eu ter várias discordâncias e cobranças em relação a Lula (e parte de seu grupo), seus governos e atitudes relacionadas à própria candidatura: A história é longa, e nesse momento em que declaro voto a ele, já digo que vou dele cobrar tudo o relacionado às minhas históricas críticas ao governo Lula 2003-2011. Também fique claro que sim, coloco na conta dele, seu grupo e estratégias eleitorais uma série de pontos (outra longa história que sim vou expor em algum momento minha visão). Mas vale frisar que este “voto contra” não tem origem de qualquer mérito da parte do outro candidato (que se eu for expor o mesmo nível de discordância “fora tudo” o que já mencionei, de novo perde pro Lula, e aí é “8×0”. Em outras palavras, no 7×1 dessas eleições o “x1” é também um gol (esse contra) de Lula.

* Arnaldo V. Carvalho, eleitor, escritor, terapeuta e professor em saúde natural, pedagogo, mestre e doutorando em educação.