Marcas da Rejeição
“Por meus erros, por meu pai. Por meu pai que vive em mim. Meu pai e minha mãe. Por minha rejeição nas entranhas, da qual não sei. Não sei, não sei, não admitem e não provo. Apenas.. sinto. É como sinto e por não poder voltar, não posso mudar. Só posso ir pra frene e carregar. Carrego o fardo da não aceitação, e a escondo sob a forma de mentira. Uns bebem, outros enlouquecem, outros tornam-se cruéis. Eu minto. Em certo momento, revelo a mentira de algum modo, porque não posso igualmente suporta-la. Os danos e conseqüências a cada dia se tornam piores. Haverá perdão para mim?”
Um dia um homem matou. Naquele dia, tornou-se assassino. Para sempre. Naquele dia, um outro queimou-se no fogo. A cicatriz ficou lá até o fim. Aquele bêbado já não bebe há 20 anos. Mas é alcoolatra, de certo. e assim somos nós, assassinos, traidores, alcoolatras, drogados, mentirosos, bêbados. Somos todos iguais. Somos viciados. Viciados em usar de recursos para esconder o que sentimos. Esconder o medo. Escapar da rejeição.
Somos aqueles que vivem sabendo que mais cedo ou mais tarde, seremos novamente rejeitados, porque o álcool, a mentira, o assassínio, vive em nós. O passado nos atormenta, o conhecido e o desconhecido, de um tempo remoto, de um tempo em que não sabíamos falar.
O medo da rejeição nos é insuportável. Rejeitamos a rejeição e o medo da rejeição, e o medo do medo da rejeição. Para fugir, mentimos. Traímos. Traímos a nós, aos outros. Por vezes, acreditamos em nossas mentiras, nos agarramos a elas, nos esquisofrenizamos para poder acreditar nas drogas, nos segredos e nas mentiras.
Temos Raízes que têm medo de ir ao fundo. Tornamo-nos com o tempo ervas daninhas que se alastram, ocupando o canteiro das flores, oferecendo ofertas rasas, momentos de vida que duram uma noite.
Jamais nos perdoaremos. Jamais mudaremos o passado. Jamais poderemos ser aprovados de novo. Desejamos que o mundo não tivesse que conviver conosco. Desejamos que o mundo fosse outro, que não nos rejeitasse, que não nos tomasse como criminosos permanentes. Somos doentes. Desejávamos um dia que o mundo fosse livre, que não fosse preciso recriminar ou ser recriminado. Mas isso ficou para trás. É só um devaneio vazio ante tantos outros. Conformamo-nos com a doentia regra do mundo, e a fórmula da conformidade é justo a que nos torna rejeitados. A fórmula da aceitação-conformidade nos torna doentes, mas ainda assim, é a fórmula às quais nos agarramos. Foi a única coisa que conseguimos. E temos medo, mas tanto medo… Não sabemos onde isso vai. Temos uma noção uma superficial – mas pesada noção – de que vamos para um lugar ruim. Mas nossas máscaras-fórmulas-de-aceitação nos permitem manter a noção na superfície. Fosse profunda, seria insuportável. Então é melhor mentir.
Somos viciados em aceitação. Precisamos dela como quem precisa de crack. Precisamos de sorrisos, olhares e abraços. Nada é o bastante. Nada pode servir. Nada tampa o buraco deixado. Somos todos iguais, viciados em buscar o que nunca encontraremos, e fingir encontrar… Na solidão, na mentira, no fracasso, nas drogas, açúcares, compulsões, suicídios, na loucura.
Arnaldo V. Carvalho
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SimCartolaComposição: Cartola e Oswaldo Martins – Gravadora Marcus Pereira de 1974. Sim, Para ter uma companheira Todos erram neste mundo |
Mesmo sendo uma letra melancólica, me faz lembrar de uma pessoa que é maravilhosa, e o seu único erro é tentar acertar, pelo amor, pelo bem, pelos outros por ela mesma…